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GRUPO SANTO ANSELMO
Fides Quaerens Intellectum

Leitura das Sagradas Escrituras – Breves Comentários a Êxodo 16-24

Introdução

Assim como o batismo marca o início da vida do cristão que tem agora de viver a vida em Cristo em busca da salvação de sua alma, o povo que passou pelo mar Vermelho terá agora de enfrentar o deserto, viver a vida em busca da terra de Canaã.

O povo já está livre da escravidão egípcia e o mar Vermelho é uma espécie de barreira física que o separa da antiga terra de escravidão, em relação à caminhada rumo à Canaã. Do mesmo modo, nós já estamos em Cristo pelo batismo, mas temos pela frente toda a nossa vida, esse é o nosso deserto, que teremos de enfrentar rumo à Canaã celestial.

1. O problema da falta de água

Eles caminham pelo deserto de Sur na península do Sinai e não acharam água. Chegaram a um lugar chamado Mara, mas a água ali era amarga e o povo reclamou com Moisés. Esse então orou a Deus e por ordem de Deus, Moisés lançou um tronco sobre as fontes e água e essas se tornaram boas para beber (Ex 15, 22-25).

Ali Moisés falou ao povo que se eles obedecessem a Deus em todos os seus mandamentos, o próprio Deus os livraria do mal e das doenças (Ex 15, 26).

Vejamos mais uma vez aqui a prefiguração entre o deserto e a vida cristã.

Mesmo quem nunca esteve no deserto sabe que ali a água é escassa, e sendo a água um bem essencial à vida, a sua procura, uso e acondicionamento, quando se trata de um deserto é um assunto relevantíssimo.

Ora, a vida cristã é um deserto, com suas dificuldades, vicissitudes, tentações, aridez espiritual, oportunidades para o desânimo e o risco da desistência. Para não sofrermos e conseguirmos atravessar o deserto de nossa existência neste mundo, precisaremos da água da vida, por meio de orações, sacramentos e vivência da fé católica.

1.2. As codornizes e o Maná

Saindo da região de Sur e indo para o interior da península do Sinai, depois de mais de um mês de caminhada, quando as provisões já tinham se esgotado, o povo murmurou contra Moisés, lembrando que no Egito, apesar da condição de escravos, eles tinham comida para comer e água para beber (Ex 16, 1-3).

Moisés orou a Deus e esse lhe respondeu dizendo que o povo teria carne para comer e pão para se fartar.

Deus então fez cobrir o arraial com uma nuvem de codornizes, sendo tantas aves que o povo podia facilmente apreendê-las e prepará-las para se alimentar à noite. No dia seguinte surgiu uma coisa miúda sobre a terra, um tanto granulosa, logo cedo e cobriu todo o acampamento, era uma espécie de farinha, era o Maná, o pão do céu. Moisés então mandou que colhessem uma medida para uma pessoa, não mais que isso. Mais tarde com o calor do sol o Maná derretia.

Muitos, porém, como medo de não ter Maná no dia seguinte, juntou o suficiente para vários dias. Ocorre que no dia seguinte, o excedente cheirava mal.

Moisés disse ao povo que deveria apanhar apenas o suficiente para um dia e confiar em Deus, pois jamais faltaria Maná durante a jornada no deserto. No entanto, na sexta-feira deveriam colher o dobro, para não trabalharem no sábado. Assim foi feito e esse excedente não apodreceu.

Durante os quarenta anos no deserto jamais faltou o Maná para o povo de Israel.

O Maná e as codornizes são a prefiguração do alimento que precisamos para a nossa jornada no deserto da nossa vida. Precisamos de alimento espiritual e físico, precisamos de água, espiritual e física, precisamos de descanso espiritual e físico.

A questão final neste texto é que Deus jamais abandonará o seu povo.

1.3. Jetro o sogro de Moisés e os juízes

Jetro, sogro de Moisés e sacerdote de Madiã, tendo ouvido falar da incrível jornada de Moisés, veio ao seu encontro e trouxe a sua esposa Séfora e seus dois filhos, Gerson e Eleazer, quando então puderam estar em família Moisés lhe contou tudo que acontecera (Ex 18, 1-11).

Como sacerdote de Madiã, Jetro não limitou sua visita a um evento social, por certo falaram de Deus, de sua bondade e de capacidade de agir em favor de seu povo, por isso ofereceram um sacrifício a Deus (18, 12).

No dia seguinte, Moisés se reuniu com o povo para julgar suas questões, desavenças, dúvidas e outros males. E fez isso por todo o dia. Jetro, sogro de Moisés, viu que Moisés julgava sozinho todas as causas e isso lhe era muito cansativo.

Jetro então sugeriu que Moisés escolhesse homens de bem, capazes e tementes a Deus e os ponha como chefes de mil, chefes de cem, chefes de cinquenta e chefes de dez. Eles julgarão o povo e as causas mais difíceis eles trarão a ti e tu os julgarás (Ex 18, 13-23). Na verdade, Jetro estava criando ali uma espécie de descentralização por níveis de hierarquia e complexidade de temas, tornando Moisés um julgador das causas mais complexas. E assim foi feito (Ex 18, 24-27).

Todos somos chamados a cooperar para o bem daqueles que hão de herdar o reino de Deus, por isso as tarefas da Igreja são distribuídas entre os diversos católicos, de acordo com seu talento, tempo e disposição para o trabalho. Todos são importantes, desde os chefes de mil até os chefes de dez.

2. A Aliança no Sinai, o Decálogo e o Código da Aliança – Capítulos 19 – 24

Esse é um dos pontos mais importantes de toda a Sagrada Escritura, e, em especial, do Antigo Testamento.

2.1. A Aliança no Sinai

No terceiro mês da saída do Egito o povo chega na região do Sinai e acampa aos pés da montanha, quando então Deus chama Moisés e faz a sua proposta de aliança. Moisés desce e apresenta a proposta de Deus ao povo, tendo o povo concordado com todas as palavras de Moisés (Ex 19, 1-8). Merecem aqui serem lembradas tais palavras (Ex 19, 4-8):

E subiu Moisés a Deus, e o Senhor o chamou do monte, dizendo: Assim falarás à casa de Jacó, e anunciarás aos filhos de Israel: “Vós tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre asas de águias, e vos trouxe a mim; agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos, porque toda a terra é minha. E vós me sereis um reino sacerdotal e o povo santo”. Estas são as palavras que falarás aos filhos de Israel. E veio Moisés, e chamou os anciãos do povo, e expôs diante deles todas estas palavras, que o Senhor lhe tinha ordenado. Então todo o povo respondeu a uma voz, e disse: “Tudo o que o Senhor tem falado, faremos”. E relatou Moisés ao Senhor as palavras do povo.

Deus então diz a Moisés que se manifestará de forma terrível, para tanto, devem ser fixados limites para que o povo não ultrapasse sob pena de serem mortos. Moisés então ordena ao povo a preparação, pois Deus se manifestará de forma visível (Ex 19, 9-14).

No dia seguinte, toda a montanha fumegava e trovejava, porque Iahweh descera sobre ela e a fumaça da montanha subia até o céu. Ouvia-se um som de trombeta e enquanto Moisés falava, Deus lhe respondia por meio de trovões (Ex 19, 16-20).

Moisés então desce e apresenta o Decálogo, os Dez Mandamentos (Ex 20, 1-18).

A cena foi uma grandiosa teofania, no topo do Monte Sinai tinha fogo, fumaça, incenso, raios e trovões, nuvens escuras e fumo… (Ex 20, 18-20).

A aliança do Sinai, mesmo estrondosa e aparentemente assustadora é um pálido reflexo da aliança do calvário.

Com efeito, no calvário temos a última e definitiva aliança, por meio da qual Deus salvará todo o gênero humano. Por isso somos chamados a fazer essa experiência de estarmos aliançados com Deus, cumprindo a nossa parte, na forma de uma vida de piedade, oração, humildade, serviço, e, sobretudo, de uma vida marcada pelos sacramentos.

2.2. O código da aliança

Eu vou denominar aqui de legislação básica ou geral, aquilo que a Bíblia de Jerusalém coloca como Código da Aliança, a partir do capítulo 20, 27. Trata-se de um conjunto de leis e normas que vão além dos Dez Mandamentos e estabelece uma série de regras para o povo de Israel.

Como tenho dito nos textos e nas lives, a ideia de Deus é construir um povo, uma nação, uma comunidade que testemunhe aos povos da terra as suas grandezas. Por óbvio que esse povo tem de ser diferente em seu comportamento, princípios, valores e modo de agir. É preciso que esse povo mostre aos demais povos da terra, uma nova forma de viver e de se relacionar uns com os outros. Daí a necessidade de uma legislação moral e comportamental.

A primeira norma é uma orientação sobre o altar de sacrifício (Ex 20 ,22-26). Vale lembrar que todo sacrifício de animais no Antigo Testamento, é uma espécie de prefiguração do último e definitivo sacrifício que Cristo fará na cruz.

A regra sobre a propriedade de escravos, direitos e deveres, regras de alforria e a possibilidade de uma servidão voluntária está definida no texto do capítulo 21, 1-11.

Talvez você possa pensar aqui, por qual razão Deus tolera a escravidão no meio do seu povo, admitindo, inclusive, que os israelitas tenham escravos e porque hoje a Igreja não admite a escravidão. Veja bem, aqui é preciso entender que Deus sempre agiu no seio de um povo, de acordo de com a sua cultura, com os seus costumes e com o seu modo de vida. Isto é, Deus entra na história humana no estágio em que essa história está.

Por tal razão, Deus vai, muitas vezes, suportar, tolerar certas práticas, em razão daquela manifestação ter se dado em um tempo específico. A partir de então, Deus vai então trabalhar aquele povo, para moldá-los aos poucos, reconstruindo as suas estruturas.

Assim a escravidão, a poligamia, certo nível de violência e outras práticas serão toleradas por Deus. Quando daqui 1.200 anos chegar o tempo de Cristo e da Igreja, o ensinamento não será mais a Lei de Talião, na forma do “dente por dente, olho por olho” (Êxodo 21). Jesus fará uma proposta de uma nova ética, onde, em lugar de olho por olho, seremos chamados a amar os nossos inimigos e fazer o bem a quem nos persegue (Mateus 5, 43-44).

Vejamos a legislação básica.

O homicídio é punido com a morte, e de modo especial, o parricídio e o matricídio, até mesmo o lançamento de maldição contra o seu irmão tinha como pena a morte (Ex 21, 12-15). No caso de golpes e ferimentos, que poderíamos chamar hoje de lesões corporais, temos o texto do capítulo 21, 18-36, com a aplicação da Lei de Talião.

A ideia aqui é conter a violência e a vingança exacerbada, criando uma espécie de proporcionalidade entre do dano sofrido e a vingança possível de ser realizada.

O texto de 21, 37 a 22, 1-3 temos uma regra especial sobre o roubo de animais, contendo aí uma novidade, a legítima defesa por parte do proprietário, que, se matar um ladrão no ato do roubo ou furto, não seria culpado por essa morte.

Em seguida o Código da Aliança vai disciplinar uma regra básica de indenização por danos causados a terceiros, o que se denomina atualmente de responsabilidade civil (Ex 22, 4-14). A regra básica ali inscrita é a de que todos devemos respeitar a propriedade alheia e nos portar de tal modo que não causemos prejuízos a terceiros, pois aquele que causar prejuízo, tem o dever de reparar o dano.

A sedução de uma mulher virgem, seguida de um ato sexual, obriga o sedutor ao casamento com a mulher. Ressalvada a possibilidade de uma indenização, caso o pai da virgem não aceitar o casamento (Ex 22, 15-16).

É preciso entender esse texto no contexto em que ele se encontra. Não se trata de um texto que desvaloriza a mulher, antes, pelo contrário, existe aqui um tratamento de valoração da mulher. A questão da virgindade para o casamento dentre os povos antigos era de muita relevância, razão pela qual um ato sexual antes do casamento, obrigaria o homem a se casar com a mulher seduzida. De outro lado, a possibilidade de a família não aceitar o casamento e resolver a situação por meio de uma indenização, que sendo equivalente ao dote de casamento, não era um valor pequeno, mostra que o casamento em razão do ato sexual não era automático, podendo a família, e quem sabe até a própria mulher, verificar, examinar se aquele casamento era a melhor opção.

Por fim, o capítulo 22, 17-27, traz algumas normas específicas sobre feitiçaria, punida com a morte; bestialismo, também punido com a morte; respeito e cordialidade para com o estrangeiro; cuidado e caridade para com os órfãos e as viúvas; vedação à usura na forma dos juros; caridade para com os devedores e respeito às autoridades.

Vejamos cada um dos casos.

A feitiçaria merecia uma punição severa em razão da sua própria natureza. Uma sociedade que estava sendo preparada para crer em um único Deus criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis, não poderia se dar ao disparate de crer em poções, feitiços e coisas afins, pois além de desviar o olhar para um único Deus, abriria espaço para ação demoníaca por meio da mentira e enganações.

A sexualidade, em razão de sua força na natureza humana há de ser vivida com temperança, não podendo o ser humano se entregar a toda sorte de prazeres sexuais de forma irracional. Portanto, a prática de sexo com animais, que já era desde tempos antigos uma prática comum, haveria de ser reprimida.

O estrangeiro, o órfão, a viúva e os endividados eram pessoas vulneráveis, e, portanto, mereceram no código um tratamento especial. Deus é puro amor e esse amor deve refletir na vida daqueles que andam com Deus. Nessa fase inicial, Deus vai cobrar a caridade para com os mais frágeis e vulneráveis. Por fim, o respeito às autoridades, que constitui uma ordenança básica em um povo civilizado.

Os filhos primogênitos eram consagrados a Deus, assim como as primícias, as primeiras colheitas (Ex 23, 28-30). Aqui temos uma relação entre aquilo que nos pertence, como os filhos e a colheita e nossa relação com Deus. A orientação aqui é que tudo é do pai, somos apenas mordomos daquilo que Deus nos confiou.

No capítulo 23, 1-9, seguem leis morais, tais como não espalhar notícias falsas; não fraudar processos; devolver coisas de terceiros; não desviar dinheiro; não matar o inocente e não aceitar presentes em tais condições.

Voltamos aos comentários relativos ao item anterior, no sentido de Deus está construindo um povo com um conjunto ético e moral distinto dos povos de então.

O ano sabático (Ex 23, 10-13) consistia em não ceifar a terra depois de seis anos seguidos, permitindo um ano de descanso para a terra, e ainda, uma ação de caridade, pois tudo o que nascer no sétimo ano seria para os pobres da terra.

Após seis anos de plantações e colheitas, os israelitas deverão deixar a terra sem cultivo, e nesse ano o que nascesse na terra seria do pobre e do desvalido. Trata-se de uma medida que tem dois objetivos, a saber, uma medida de natureza caritativa, e outra medida de natureza ambiental.

As festas a serem celebradas serão três e que mais tarde serão detalhadas no Levítico, a saber, a Festa dos Ázimos, a Festa das Primícias e a Festa da Colheita (Ex 23, 14-17).

Após a apresentação da legislação do Código da Aliança, Deus promete enviar o seu anjo adiante do povo, para guiar o povo, defender em suas dificuldades e orientar em seus caminhos (Ex 23, 20-26).

O capítulo 24 trata da conclusão da aliança, quando Deus pede que Moisés e outros subam com ele à montanha. Moisés se aproximará de Deus, enquanto os outros adorarão de longe. Assim foi feito (Ex 24 1-5).

Ao descerem da montanha, Moisés leu diante do povo o Livro da Aliança e todos concordaram em seguir as prescrições estabelecidas por Deus (Ex 24, 7-8).

Ao final da conclusão da aliança, Deus chama a Moisés para lhe entregar as tábuas da lei. Ele então sobe a montanha com Josué. A nuvem cobriu e da nuvem Deus chamou a Moisés e ele ficou no topo da montanha diante de Deus por 40 dias (Ex 24, 12-18).

Gabriel Campos, Brasília – DF, 18 de março de 2024, Memória de São Cirilo de Jerusalém.
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