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GRUPO SANTO ANSELMO
Fides Quaerens Intellectum

Leitura das Sagradas Escrituras 2024 – Evangelho de São Mateus, Capítulos 5-7

Capítulos 5-7

Nos capítulos 5-7, São Mateus narra o famoso discurso de Jesus, denominado O Sermão da Montanha, por certo o mais famoso discurso de Jesus Cristo dentre todos aqueles narrados nos Evangelhos.

São Lucas também narra esse discurso, mas o faz de forma difusa, distribuindo os seus ensinamentos em seu Evangelho, iniciando a partir de Lucas 6,17, ao contrário de São Mateus que preferiu apresentar o discurso na íntegra.

O Sermão da Montanha é uma espécie de código que expressa ao mesmo tempo a moralidade, a ética, a vida virtuosa, a humildade, a bondade, a confiança em Deus e em sua providência, enfim, o Sermão da Montanha expressa a verdadeira espiritualidade cristã em seu mais alto grau de perfeição.  Por essa razão, o Sermão da Montanha merece de todos os cristãos o mais profundo estudo, meditação e interiorização na mente e na alma, tomando os seus princípios e regras como objetivos de uma vida a ser vivida com integridade e dedicação.

O Sermão da Montanha pode ser apresentado a partir do seguinte esquema:

  1. Introdução: Capítulo 5,1-2;
  2. Bem-aventuranças: Capítulo 5,3-12;
  3. Sal e Luz: Capítulo 5,13-16;
  4. Vigência e cumprimento da Lei: Capítulo 5,17-48;
  5. A Esmola e o Jejum em sua essência, os Verdadeiros Discípulos e A Casa Sobre a Rocha: Capítulo 6,1-4, 16-18; 7,21-23; 24-27
  6. Oração: Capítulo 6,5-15; 7,7-11;
  7. Os Tesouros: Capítulo 6,19-21;
  8. A Lâmpada e o Olho: Capítulo 6,22-23;
  9. O Abandono nas mãos de Deus: Capítulo 6,24-34;
  10. O Julgamento Temerário e Hipócrita: Capítulo 7,1-5;
  11. Coisas Sagradas e os Cães: 7,6;
  12. Regra de Ouro: Capítulo 7,12;
  13. As Duas Portas e os Dois Caminhos: Capítulo 7,13-14;
  14. Os Falsos Profetas e os Frutos: Capítulo 7,15-20;
  15. Os Verdadeiros Discípulos: Capítulo 7,21-23;
  16. A Casa Construída Sobre a Rocha: Capítulo 7,24-27;
  17. Ensino com Autoridade: Capítulo 7,28.

Introdução: Capítulo 5,1-2

São Mateus coloca o Sermão da Montanha como a primeira ação pública de Jesus detalhadamente relatada, portanto, o primeiro registro amplo do ministério público de Jesus, pois conforme o mesmo autor, Jesus inicia sua atividade pública, logo após o batismo (4,12-25).

Bem-aventuranças: Capítulo 5,3-12

Como sempre, Mateus busca identificar Jesus como o Messias prometido a Israel, para tanto, Mateus procura fazer uma relação direta entre Jesus e Moisés o profeta e libertador do povo israelita, que estava escravizado no Egito 1.400 anos antes.

Moisés subiu ao Monte Horebe e de lá trouxe a Lei, iniciada pelos Dez Mandamentos, e demais regras que disciplinariam a vida dos israelitas e sua relação com Deus (Êx. 19,3,25; 20 e seguintes). Segundo São Mateus, Jesus sobe à montanha e fala ao povo, não mais trazendo a Lei e seus dez mandamentos, mas as nove bem-aventuranças em razão de determinadas condutas e regras de caráter.

Enquanto a Lei trazida da Montanha por Moisés constituía-se em um conjunto normativo que obrigava certas condutas e vedava outras, o que Jesus prega na Montanha é que o cumprimento da Lei traz bem-aventuranças, felicidade e alegria.  Com efeito, no grego koinê a palavra que foi traduzida por “bem-aventurado” é Makarioi que significa Feliz. Portanto, você pode ler as bem-aventuranças substituindo o termo “bem-aventurado” por “feliz”.

Em Jesus, a Lei não é um fardo a ser cumprido, mas um ato de amor para com Deus e com o próximo. Isto é, eu não violo os dez mandamentos não porque é proibido, mas porque eu amo a Deus o próximo. Exemplificando, o mandamento diz “Não matarás”, ora, para matar alguém é preciso não amar essa pessoa, pelo contrário, é preciso odiar. Portanto, caso eu ame a todos como amo a mim mesmo eu jamais matarei alguém. Por isso digo aqui, o cumprimento dos dez mandamentos é feito por meio de dez atos de amor. É isso que Jesus ensina nas bem-aventuranças e é isso que ele quis dizer quando disse que “toda a lei se resume a amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo” (Mateus 22,34-37).

Sal e Luz: Capítulo 5,13-16

A pessoa que guarda a lei de Deus como um ato de amor é como o sal da terra e a luz do mundo. Enquanto o sal dá sabor ao alimento, além de preservar outros; a luz espanta as trevas e permite que você esteja confortado na escuridão, podendo ver com clareza, ficar aquecido(a) e protegido(a). Observe que Jesus usa dois elementos sal e luz como comparação para aquela pessoa que guarda a sua palavra, pois são e luz são a mesma coisa, tem o mesmo significado e utilidade prática em qualquer tempo, lugar ou cultura.

Vigência e cumprimento da Lei: Capítulo 5,17-48

O povo israelita não conseguiu cumprir a Lei. Não cumpriu porque viu a lei como um conjunto de normas castradoras e obrigacionais da conduta humana e não como uma expressão do amor de Deus.

Jesus então veio cumprir a Lei (5,17).

Por isso ele mostra que a Lei é mais do que regra de conduta, mas a interiorização do amor de Deus. Isto é, não pelas minhas condutas que devo mostrar que cumpro a Lei, pois pelo meu esforço jamais cumprirei a Lei. Como fazer então? Deus é a amor (I João 4,8), portanto, o cumprimento da Lei é o amor. Quanto mais eu amar a Deus e ao próximo, menos pecarei.

Jesus mostra isso na questão da castidade e na proibição de matar.

Um homem deve amar tanto a sua mulher que ele procurará não olhar para outra com desejo de tê-la consigo. Então esse homem de Deus não deseja outra mulher por muito amar a sua mulher e não somente porque é proibido. Vale dizer, quando o amor é o centro da vida da pessoa, ele obedece ao mandamento da castidade por amor a sua mulher e não porque é proibido.

Esse ensinamento de Jesus vale para o homicídio (5,21-26), para os juramentos (5,33-37); para a vingança (5,38-42); para os inimigos e aqueles que nos perseguem (43-46) e para todos os mandamentos.

Você observa que Jesus aqui eleva drasticamente o sentido e o alcance da Lei. Enquanto os israelitas (e nós até hoje em face dos dez mandamentos) vemos a Lei como uma norma de conduta, Jesus nos fala dela como uma interiorização radical do amor de Deus.

Claro que nós não podemos e não devemos nos cobrar com esse grau de perfeição, mas devemos ter esse grau de perfeição como uma meta, como um alvo a ser atingido em nossa existência. É o que nos diz o Senhor em Mateus 5,48: “Sede perfeitos, como perfeito é vosso Pai celeste”.

A Esmola e o Jejum em sua essência e os Verdadeiros Discípulos: Capítulo 6,1-4, 16-18; 7, 21-23; 7,24-27

No capítulo 6,1-4, 16-18, quando fala da esmola e do jejum, Jesus nos convida a viver a verdade, a verdade em seu sentido mais cristalino, sem qualquer fingimento ou aparência, agindo como se ele o próprio Deus em pessoa estivesse sempre diante de nós em cada ato de nossa vida, pois ele mesmo está.

Esses são os verdadeiros discípulos (7,21-23), pois não somente praticam uma religiosidade externa, mas tem essa religiosidade introjetada em seu coração, como parte de sua essência, esses vivem a verdade.

Por isso, Jesus compara esses discípulos à pessoa que construiu a sua casa com sólidos alicerces (7,24-27), de tal sorte que a construção é segura e firme, pois essa pessoa vive a verdade. Quem vive uma religiosidade ritualística sem um comprometimento integral e verdadeiro de sua alma é como quem constrói uma casa sobre a areia, pois as dificuldades e vicissitudes da vida a destruirão facilmente.

Oração: Capítulo 6,5-15; 7,7-11

O Pai Nosso foi a única oração que Jesus ensinou aos seus discípulos e mostra-se assim como a oração perfeitíssima, pois encerra em suas palavras tudo aquilo que devemos dar e pedir a Deus.

  1. Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome: A primeira expressão da oração é de carinho, pois Deus é aqui chamado de Pai, mas também é de reconhecimento de sua soberania e santidade;
  2. Venha a nós o teu reino: A segunda expressão é o intenso desejo de estar logo diante de Deus e vivendo com ele em seu reino, mas é também o compromisso de antecipar, no amor, esse reino entre nós;
  3. Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu: Em terceiro lugar, a submissão total à vontade de Deus, mesmo que ela não nos seja clara e totalmente conhecida, é um ato de abandono nas mãos de Deus;
  4. O pão nosso de cada nos dai hoje: O único pedido material é o pão de cada dia, que não deve ser entendido como literal, pois Deus sabe que precisamos de outros bens materiais. O que está implícito aqui é que podemos e devemos pedir a Deus por bens materiais, mas aqueles que são essenciais para o nosso bem-estar;
  5. Perdoe as nossas dívidas, assim como nós perdoamos a nossos devedores: Somos todos pecadores e como tais devemos nos aproximar do trono de Deus com esse reconhecimento e com tal humildade; o perdão que pedimos a Deus está condicionado ao perdão que concedemos gratuitamente ao nosso próximo. Quem não perdoa, não será perdoado;
  6. E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal: A tentação estará presente em nossas vidas todos os dias de nossa existência, pois essa inclinação para o pecado é uma herança de Adão. O pedido seguinte é o livramento do mal. O mal é a ausência de Deus, quem se afasta de Deus abre espaço para o mal e do mal pedimos a Deus que nos livre.

Os Tesouros: Capítulo 6,19-21

Os bens materiais são essenciais à vida e deles precisamos todos os dias de nossas vidas. Mas quantos bens materiais podemos ter? Quanto em dinheiro? Quanto em bens móveis e imóveis? As Escrituras não dizem qual é o limite, mas nos ensina a sermos caridosos, a usar os nossos bens em favor dos menos favorecidos e em favor da ação da Igreja.

A questão não é qual o valor do teu patrimônio, mas qual o uso que você faz dele. Quanto você é capaz de dar de esmola, de ajuda a alguém que precisa e quanto você é capaz de doar à Igreja.  

Outra questão é a relação que você tem com o seu patrimônio. Frequentemente eu faço comigo mesmo o que chamo de Teste de Jó (Jó 1-2) que consiste no seguinte exercício: Qual seria o meu comportamento diante de Deus se eu perdesse tudo o que tenho? Familiares, bens e saúde? Eu iria me revoltar e amaldiçoar a Deus ou iria louvá-lo? Não responda a essa pergunta, medite-a no seu coração.

A Lâmpada e o Olho: Capítulo 6,22-23

A comparação do olho como a lâmpada do corpo é um grande desafio, pois aqui Jesus nos fala dos desejos que temos. O olhar é a forma principal de tomar conhecimento do mundo, pois é principalmente pelo olhar que conhecemos inicialmente alguma coisa, para então desejarmos ou não. Isso vale para os bens e para as pessoas, por isso Jesus nos convida aqui a enxergar o mundo e o próximo com um novo olhar.

Os bens devem ser vistos em si mesmos como o que são, bens que satisfazem necessidades materiais. Quando vejo os bens em si mesmos como um fim, desejarei ter todos os bens possíveis e imagináveis para meu deleite, conforto e segurança. Nesse caso, os bens serão o meu deus…

As pessoas devem ser vistas como filhos e filhas de Deus a quem devo amar. Amar aqui deve ser entendido como o amor de doação, eu devo agir de tal modo que as pessoas sejam mais felizes e realizadas por terem tido um contato comigo. Isto é, o meu próximo deve usufruir de uma alegria que sem mim, ele não teria usufruído. Com outras palavras, eu devo ser uma diferença positiva na vida do próximo.

O Abandono nas mãos de Deus: Capítulo 6,24-34

O texto de Mateus 6,24-34 não é uma apologia ao ócio, um convite à preguiça ou à vagabundagem. Deus nos deu a vida nessa terra para ser vivida com responsabilidade, o que implica estudar, trabalhar e batalhar dia após dia, para garantir o seu sustento, conforto e bem-estar de tal modo que você ainda tenha como ajudar aos menos favorecidos. O ensinamento e o desafio aqui estão relacionados com a questão dos tesouros, a questão é como você se relaciona com os seus bens e o valor que você dar a cada um deles.

O Julgamento Temerário e Hipócrita: Capítulo 7,1-5

Quando olhamos um irmão em erro, qual deve ser a nossa reação? O que esse texto traz para nós é a incômoda lembrança de que todos somos pecadores, e, em tese, podemos cometer qualquer pecado, caso não adotemos a vigilância e a constante prática de oração e de vida de sacramentos. Portanto, a nossa posição diante do irmão que está em pecado deve ser a de misericórdia, compaixão e acolhida, lembrando que todos nós podemos também incorrer em pecados graves.

Coisas Sagradas e os Cães: 7,6

O mundo está imerso em tal nível de desordem que muitas vezes as discussões sobre certos temas tornam-se infrutíferas e inviáveis, razão pela qual deve ser evitada. Um interlocutor, ainda que descrente, que queira se informar acerca das coisas sagradas, pode ser alcançado pela graça de Deus e evoluir para uma conversão; mas uma discussão com um interlocutor que quer apenas discutir por discutir e zombar da fé católica é como dar pérolas aos cães.

Regra de Ouro: Capítulo 7,12

O verso 12 do capítulo 7 encerra a chamada Regra de Ouro, isto é, aquilo que resume o bem viver para com o próximo: “Tudo o que querei que os homens vos façam, fazei-o vós a eles. Esta é a Lei e os profetas”.

Quando perguntado qual é o maior dos mandamentos, Jesus disse: “Amar a Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento”, E em seguida arrematou, o segundo mandamento é semelhante a esse: “Ame o seu próximo como a si mesmo’. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mateus, 22,36-40).

Observe que ambos os textos – Mateus 7,12, na regra de ouro – e no texto acerca do maior de todos os mandamentos – Mateus 22,36-40 – Jesus se refere ao fato de que de ambas as condutas depende toda a Lei e os Profetas.

Como entender isso?

É simples. Em Mateus 22,36-40, nosso Senhor Jesus Cristo está se referindo ao comando do maior de todos os mandamentos e do segundo maior como norma em tese, isto é, o dever contido na norma a todos os homens.

Mas como amar ao próximo como a mim mesmo?

A resposta está em Mateus 7,12, fazendo ao próximo aquilo que quer que seja feito para comigo. O texto de Mateus 7,12 é a explicação prática e concreta do que é amar o próximo como a mim mesmo. E a proposta de Jesus é tão radical, que o católico tem o dever de se antecipar e fazer o bem ao próximo, antes que o próximo faça o bem em seu favor.

Ensino com Autoridade: Capítulo 7,28

A vida de Jesus é coerente com os seus ensinamentos, por isso o seu ensinamento foi compreendido pelo povo como algo distinto dos ensinos dos religiosos do seu tempo. Essa autoridade de Jesus advinha da coerência de sua vida e de suas palavras. Esse é o nosso desafio.

Gabriel Campos

Brasília – DF, 17 de fevereiro de 2024, Memória de Santo Antão, o pai da vida monástica.

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