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GRUPO SANTO ANSELMO
Fides Quaerens Intellectum

Leitura Bíblia – Breves Comentários a Mateus 8-13

Nessa semana, temos como leitura os capítulos de São Mateus 8-13.

Esse texto envolve duas partes, a saber, a Pregação do Reino dos Céus (8-10), que se divide em Sequência de 10 Milagres (8-9) e o Discurso Apostólico (10); bem como o Mistério do Reino dos Céus (11-13), que se divide em Parte Narrativa (11-12) e o Discurso em Parábolas (13), ficando assim apresentadas:

  1. Pregação do Reino dos Céus (8-10)
    1. Sequência de Dez Milagres: Jesus faz os milagres pra mostrar sua autoridade divina (8-9);
    1. Discurso Apostólico: Jesus instrui os apóstolos acerca da missão evangelizadora (10).
  • Mistério do Reino dos Céus (11-13)
    • Parte Narrativa: Jesus mostra aos apóstolos que a missão é árdua, difícil e que nem todos aceitarão a mensagem (11-12);
    • Discurso em Parábolas: Por isso ele fala por parábolas, para apenas aqueles que realmente querem aprender (13).

Esse texto dos capítulos 8-13, tem uma grande importância, para a compreensão do Evangelho de São Mateus, pois ele está situado entre o Sermão da Montanha (5-7) e a apresentação da Igreja como a realidade do Reino dos Céus (14-17). Com outras palavras, Jesus vem no Sermão da Montanha (5-7) nos apresentar, não mais a Lei de Moisés, mas a Lei de Deus, com uma adesão não apenas de mera obediência legislativa, mas com uma adesão de corpo e alma, calcada não no dever de obediência legal, mas no dever de amar ao próximo. Depois disso, importa apresentar o ambiente de realização dessa adesão por amor, a Igreja, a Igreja como primícias, prévia, antecipação do Reino dos Céus.

No entanto, antes de nos apresentar a Igreja como primícias do Reino dos Céus, importa mostrar a pregação do reino e o mistério do reino. E São Mateus faz isso interpolando entre o Sermão da Montanha (5-7) e a Igreja (14-18) o presente texto (8-13).

Assim, após o cumprimento da Lei no Sermão da Montanha (5-7), importa (i) pregar o Reino dos Céus (8-10), mostrando a sua autoridade por meio dos 10 milagres (8-9) e então fazer o discurso apostólico, mostrando aos apóstolos como será a missão de evangelizar (10). Depois de mostrar sua autoridade e fazer o discurso apostólico, será preciso apresentar o mistério do reino (11-13), no qual ficará claro que nem todos aceitarão a mensagem do Evangelho e muito farão oposição, como está claro na parte narrativa (11-12). Então nessa parte, São Mateus nos apresenta o discurso em parábolas, para aqueles que realmente querem aprender de Jesus (13).

Vamos agora ver cada parte em particular

Capítulos 8-10 – Pregação do Reino dos Céus

Os capítulos 8-10 de São Mateus trata da Pregação do Reino dos Céus, e ele o faz apresentando nos capítulos 8-9 uma sequência de 10 Milagres, e no capítulo 10 o Discurso Apostólico.

Em um esquema os capítulos 8-10 ficariam assim dispostos:

  1. Pregação do Reino dos Céus (8-10)
    1. Sequência de Dez Milagres: Jesus faz os milagres pra mostrar sua autoridade divina (8-9);
    1. Discurso Apostólico: Jesus instrui os apóstolos acerca da missão evangelizadora (10).

Essa organização não é sem razão, muito pelo contrário, São Mateus de forma muito pedagógica organiza as ideias com as quais ele quer cumprir o seu papel de apresentar o Evangelho de Cristo.

Veja que nos capítulos 5-7 São Mateus apresenta a visão de Cristo sobre a Lei de Moisés, não como um conjunto normativo cheio de regras e proibições, mas como um projeto de vida baseado no amor e na adesão integral à proposta de Deus. A Lei não é um conjunto legislativo de Dez Mandamentos determinativos e proibitivos, mas uma vida a ser vivida plenamente, tendo como consequência o gozo das 11 bem-aventuranças.

Agora que seu público já conhece a proposta de Jesus quanto à Lei, Sã Mateus apresenta o passo seguinte: A Pregação do Reino dos Céus (8-10).

E a pregação do Reino dos Céus é iniciada com uma sequência de Dez Milagres (8-9).

Observe que Mateus, que era um cobrador de impostos joga com os números, ele é uma espécie de contabilista, conhece os números, sabe relacioná-los entre si, para ensinar algo. São Mateus se refere à Lei (5-7), cuja maior expressão são os 10 mandamentos, apresentando como recompensa as 10 bem-aventuranças. E agora, para legitimar a Pregação do Reino dos Céus, São Mateus apresenta os 10 milagres. São Mateus está fixado no número 10 com a intenção de relacionar: 10 mandamentos, 10 bem-aventuranças e 10 milagres.

  1. Cura de um leproso (8,1-5);
  2. Cura do servo do centurião (8,6-14);
  3. Cura da sogra de Pedro (8,15);
  4. Curas diversas (8,16-17);
  5. Endemoniados gadarenos (8,28-33);
  6. Cura de um paralítico (9,1-7);
  7. Cura da hemorroíssa (9,18-26);
  8. Ressurreição de uma menina (9,18-26);
  9. Cura de dois cegos (9,22-31);
  10. Cura de um endemoninhado mudo (9,32-34);

Por que São Mateus apresenta as dez curas antes da pregação propriamente dita, por meio do Discurso Apostólico? As curas são uma forma de Jesus mostrar a sua autoridade, o caráter sobrenatural de suas palavras, de seus ensinos e de sua proposta.

Ora, ele vai apresentar no capítulo 10 o Discurso Apostólico pregando o Reino dos Céus. Mas como saber que a aquele Reino dos Céus é verdadeiro?  Quem garante que Jesus não é apenas mais um falastrão?

Para mostrar a sua autoridade, para mostrar que a sua proposta é real, Jesus faz uma sequência de curas, um conjunto de milagres, para depois fazer o discurso. Quando então Jesus apresentar o seu discurso acerca do Reino dos Céus, todos poderão observar e lembrar que aquela proposta, aquele discurso está sendo feito por quem operou antes 10 milagres em sequência.

Esse exercício de São Mateus nos mostra ainda outro ensinamento, a saber, todo milagre de Jesus tem um propósito, nenhum milagre acontecerá por acontecer, ou ainda, apenas para satisfazer o destinatário do milagre. Jesus opera sim milagres, mas opera em função do Reino, para o Reino e pelo Reino.

Por isso, quando pedimos algo a Deus, por meio da oração perfeita que é o Pai Nosso, dizemos no início e antes dos pedidos: Venha a nós o vosso reino… A partir daí podemos pedir tudo a Deus, tanto a cura por meio do perdão, os bens materiais na forma do pão nosso de cada dia, a santidade e o livramento do mal. Mas todas essas coisas estão entrelaçadas a um propósito bem maior que é o Reino dos Céus.

A leitura dos capítulos 8-10 deve ser feita com essa ideia, a apresentação dos milagres, como forma de mostrar autoridade, seguida do discurso do reino. E esse discurso apostólico ele não é apenas para os apóstolos naqueles dias, ele é um discurso para a Igreja em sua missão de evangelização.

Por isso Jesus apresenta a missão dos doze envolve o anúncio do reino, a cura, a expulsão de demônios (10,6-10), por meio de uma ação de paz e de harmonia (10,11-16). A missão terá um preço alto na forma da perseguição, porque o anúncio do Reino é incompatível com o mundo em pecado e longe de Deus (10,17-24). Em razão dessa incompatibilidade entre o mundo e o anúncio do Reino, o discípulo deve ser corajoso e intrépido (10,26-32), mas saiba que essa intrepidez e coragem vai gerar desavenças (10,34-36), o que exigirá do discípulo um espírito permanente de renúncia (10,37-39), pois a ação evangelizadora será feita em nome do próprio Cristo (10,40-42).

Capítulos 11-13 – O Mistério do Reino dos Céus

Após as instruções acerca da missão de anúncio do Evangelho, Jesus apresenta um duro discurso, concluindo que agora os discípulos compreenderão melhor a radicalidade, a diferença, a distinção e a incompatibilidade entre o sistema mundano e a proposta do Reino dos Céus.

Aqui, nos capítulos 11-13, São Mateus trata do Mistério do Reino dos Céus, sendo que ele primeiro apresenta uma Parte Narrativa nos capítulos 11-12, seguido do Discurso em Parábolas no capítulo 13:

  • Mistério do Reino dos Céus (11-13)
    • Parte Narrativa: Jesus mostra aos apóstolos que a missão é árdua, difícil e que nem todos aceitarão a mensagem (11-12);
    • Discurso em Parábolas: Jesus instrui os apóstolos acerca da missão evangelizadora (13).

Com essa ideia do Mistério do Reino dos Céus, Jesus quer dizer aos discípulos que, apesar de ter vindo para salvar toda a humanidade, nem todos serão salvos em razão da dureza dos corações, em razão do apego ao pecado e em razão do sistema sedutor do mundo já ter-lhes roubado os corações.

A primeira parte é uma parte narrativa.

São Mateus apresenta o questionamento de João Batista (11,1-15). João Batista começou a pregar alguns anos antes de Jesus, portanto, o anúncio do reino começa com João Batista, que foi o primeiro a enfrentar a dureza dos corações, a resistência ao arrependimento. João agora está preso, mas envia discípulos a Jesus indagando acerca de sua missão… João está duvidando de Jesus? Não, João está debilitado, cansado, quebrado, preso, mas quer ter a certeza do cumprimento de sua missão.

A resposta de Jesus (11,4-6) é para acalmar o coração de João Batista e os elogios de Jesus (11,7-15) é uma antecipação da recompensa celeste que será dada a João Batista.

No texto de São Mateus 11,20-24 Jesus lamenta as cidades que maltratam os profetas enviados, chamando a atenção para todo aquele que se opõe à mensagem do Reino.

Mas aqueles que são humildes estarão inclinados ao Evangelho (11,25-27), por isso deixam o fardo do pecado e o jugo da servidão e tomam o jugo e o fardo de Jesus (11,28-30).

No capítulo 12,1-14 São Mateus mostra dois milagres de Jesus realizados no sábado, quando em ambos os casos Jesus é questionado pelos fariseus. Esses milagres mostram que os fariseus estavam mais preocupados com a aparência externa da Lei – proibido fazer qualquer atividade no sábado – do que propriamente com a misericórdia realizada, na forma de uma cura. Aqui são Mateus nos adverte para que a nossa religiosidade não se torne maior que Nossa adesão real a Jesus misericordioso.

Mesmo com as curas, Jesus é acusado pois as curas foram feitas no sábado (12,22-32). Por isso Jesus os repreende severamente (12,33-37), afirmando que a dureza de seus corações impede que compreendam a mensagem do Reino de Deus.

Uma questão interessante nos é apresentada em São Mateus 12,46-50, com a seguinte redação:

Jesus falava ainda à multidão, quando veio sua mãe e seus irmãos e esperavam do lado de fora a ocasião de lhe falar. Disse-lhe alguém: “Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem falar-te”. Jesus respondeu-lhe: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?”. E, apontando com a mão para os seus discípulos, acrescentou: “Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.

Esse texto traria duas perguntas imediatas a um leitor atento: (i) Quem são os irmãos de Jesus falados no texto (12,46) se a Igreja afirma que Jesus é o único filho de Maria e que ela é eternamente virgem? (ii) Qual a razão da resposta de Jesus, aparentemente sendo desrespeitoso com Maria (12,48-50)?

No texto original em grego, esse verso usa a palavra adelpohi que significa parente e traduz a ideia de uma pessoa da mesma família. Portanto, a tradução apresentada como irmão não deve ser considerada em seu sentido literal, pois esses “irmãos” eram pessoas da família, podendo ser tios, primos etc.

Quanto à expressão usada por Jesus acerca de Maria, não se trata de um desrespeito, essa é uma visão errada e diminuída. Vejamos em Lucas 1,26-38, quando o anjo Gabriel anuncia a Maria que ela será a mãe do Salvador, a primeira decisão de Maria é obedecer ao chamado de Deus – “Eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”. Portanto, quando Jesus diz “Quem é minha mãe?” ele está desafiando a todos a pensarem em Maria como a serva obediente, pois essa é a única ação dela na visitação. Por isso Jesus emenda – “Aqui estão minha mãe e meus irmãos, pois todo aquele que faz a vontade de Deus é minha mãe e meus irmãos”. Portanto, em lugar de desrespeitar Maria, Jesus está nos dando a chance de nos espelhar em Maria, ele está desafiando a todos a serem como Maria, ele está pedindo que todos nós sejamos marianos, e assim como Maria, obedeçamos imediatamente a Deus, pois aí seremos como Maria, mãe e irmãos de verdade de Jesus.

Na segunda parte dos Mistérios do Reino dos Céus, São Mateus nos apresenta o discurso das parábolas, presente no capítulo 13.

A Parábola é uma pequena narrativa que usa alegorias para transmitir uma lição moral. As parábolas são muito comuns na literatura oriental e consistem em histórias que pretendem trazer algum ensinamento de vida. Possuem simbolismo, onde cada elemento da história tem um significado específico.

A grande vantagem do uso de parábolas é mostrar por meio de uma alegoria simples, uma verdade de grande valor para a vida. No entanto, como se trata de uma figura de linguagem, a compreensão da parábola requer certo interesse e atenção, boa disposição e docilidade no ouvir.

Como Jesus já sabia previamente que aquele povo não tinha interesse em lhe dar crédito, antes o acusavam de agir como demônio e contra o sábado (12,1-45), ele usou as parábolas para que apenas aqueles verdadeiramente interessados pudessem entendê-lo (13,10-16).

As parábolas contadas são as seguintes:

  1. Parábola do Semeador (13,4-9, 18-23);
  2. Parábola do Joio (13,24-30);
  3. Parábola do Grão de Mostarda (13,31-32);
  4. Parábola do Fermento (13,33);
  5. Parábola do Tesouro e da Pérola (13,44-46);
  6. Parábola da Rede (13,47-50).

Conclusão

Com esse texto complexo e denso, São Mateus nos apresenta a Pregação do Reino dos Céus, quando Jesus realiza os dez milagres(8-9) e apresenta o Discurso Apostólico (10), mostrando como é a missão de evangelização. Na sequência, São Mateus nos apresenta grande Mistério do Reino dos Céus, falando da dificuldade da evangelização (11-12), para então Jesus ensinar por parábolas, àqueles que realmente e de coração queriam aprender (13). Todo esse texto nos prepara para a apresentação da Igreja como realidade do Reino dos Céus nos capítulos seguintes.

Gabriel Campos, Brasília – DF, 26 de janeiro de 2024, Memória de São Timóteo e São Tito.