Notas Gerais
INTRODUÇÃO
O Livro de Gênesis é o primeiro livro da Bíblia e compõe com os livros de Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio um grande e única obra denominada Pentatêuco, também chamado de Torá. O Livro do Gênesis tem a peculiaridade de descrever a criação e o princípio de tudo, aliás, o próprio nome Gênesis significa princípio, origem, daí surgem os nomes gênese, genética.
1. Autoria
Existe uma antiga tradição que atribui a Moisés, o líder hebreu que retira o povo do Egito e o leva à Canaã, a autoria do Gênesis. As razões dessa afirmação se devem ao fato de Moisés ter trazido do monte Sinai as tábuas da Lei escritas e de alguns trechos se referirem à Lei como escrita por Moisés, como é o caso de Êxodo 24, 4. Não é impossível que Moisés tenha escrito o Décalogo (Dez Mandamentos) e alguma outra parte adjacente, por assim dizer, o núcleo da legislação, mas não existem outras indicações de que ele efetivamente tenha escrito o Livro do Gênesis.
Teólogos biblistas no final do século XIX construíram uma teoria sobre a autoria do Gênesis, partindo da análise dos textos, da gramática hebraica e do comparativo dos diversos textos. Segundo esses estudiosos os cinco primeiros livros da Bíblica são o resultado de quatro documentos diferentes, escritos por quatro pessoas diversas, mas bem depois de Moisés, que viveu no século XIII a.C. Mesmo essas quatro obras que deram origem ao Pentatêuco vieram de duas obras, uma de uma tradição denominada de Javista, que usa o nome Iahweh, que teria sido escrito por volta do século IX a.C. em Judá (uma das tribos de Israel) e outra de tradição denominada Eloísta, que usa o nome de Deus como Elohim, e que teria sido escrita após a queda do Reino do Norte, por volta de 720 a.C. Ambas as tradições Javista e Eloísta foram fundidas em um só escrito, depois do exílio babilônico, por volta do século V a.C.
Assim, acredita-se atualmente que todo o conjunto narrativo foi mantido por tradição oral e religiosa, até que surgiram as tradições Eloísta e Javista, que deram origem aos quatro textos originais, que fundidos compuseram o Pentatêuco.
2. Breves Notas
Como dissemos antes, o Livro do Gênesis integra uma obra maior juntamente com os Livros do Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio, chamada Torá. O termo hebraico Torá pode ser traduzido por instrução, mas também é frequentemente traduzido por Lei (Lv 11, 46 e Ez 43, 12-12). Na Septuaginta, que é a versão grega do Antigo Testamento, traduzida por volta do século III a.C., o termo Toráfoi traduzido por nomos (nómos) que significa lei.
O gênero literário predominante no Pentatêuco é a lei. Enquanto no Gênesis temos essencialmente um texto narrativo, nos demais livros do Pentatêuco temos a narrativa mesclada à lei[1].
O Gênesis se divide em duas partes básicas, a saber, (i) a proto-história que corresponde ao que podemos denominar de pré-história bíblica, que vai desde a criação até o momento anterior à revelação de Deus à Abrão, (ii) a história dos patriarcas[2].
A proto-história é um conjunto narrativo dos primórdios de todos os tempos, contendo as primeiras alianças – Aliança Adâmica e Aliança de Noé – e seus desenvolvimentos até o momento em que Deus entra na história da humanidade para formar um povo que vai levar o seu nome.
Na proto-história temos a criação (1,1 – 2,25), a queda (3), os primeiros filhos (4,1 – 3), o primeiro crime (4,4 – 8), o desenvolvimento da humanidade (4,17 – 26), o pecado que toma conta da humanidade (6, 5 – 8), o dilúvio e o recomeço com Noé (6, 6 – 8,22), o repovoamento do mundo e a continuidade do pecado (9,1 – 10-32) e a Torre de Babel (11).
A história dos patriarcas narra desde a escolha de Abrão, o seu chamado desde a sua habitação em Ur dos Caldeus (12,1 – 3), a peregrinação de Abrão (14,3 – 20,18), o nascimento de Isaac (22), o seu casamento e o nascimento de Esaú e Jacob (25, 19 – 34), os patriarcas filhos de Jacob (35, 23-26), a história de José (37, 2 – 45, 28), a ida ao Egito (46,1 – 50, 26).
Durante muito tempo, a crença na inspiração divina dos livros sagrados levou os estudiosos a afirmarem a historicidade plena do Gênesis. No entanto, desde o século XVII, graças ao trabalho de Peyere[3], uma parte considerável dos biblistas têm considerado os aspectos narrativos, sobretudo, da proto-história, em especial os seus elementos fantásticos (paraíso, serpente, árvores da ciência e da vida) como elementos míticos, cujo fim é transmitir mais, bem mais, uma mensagem teológica, do que propriamente um conjunto de fatos históricos.
A alusão ao mito não deve causar estranheza em matéria bíblica ou teológica, pois o seu uso como instrumento de ensinamento de uma realidade maior é uma prática comum. O uso de figuras, estórias e parábolas como forma de explicar realidades morais e mesmo elementos profundos do caráter de Deus, como por exemplo, o seu amor e o seu perdão, foram largamente utilizados por Nosso Senhor Jesus Cristo, que lançou mão de parábolas por diversas vezes.
Um mito[4] (em grego: μυθος) que pode ser transliterado por mithós nada mais é do que uma narrativa de caráter simbólico, que procura explicar e demonstrar, por meio da ação e do modo de ser das personagens, a origem das coisas.
Hoje sabemos que muitos elementos narrativos do Gênesis estavam presentes em outras culturas da humanidade antiga, como Sumérios[5] e Babilônios[6]. Dentre esses mitos comuns temos o poema sumério Atrahasis, que menciona a criação do homem a partir do barro, por um conjunto de deuses e deusas, e ainda, o Enuma Elish, o mito da criação para os babilônicos que guarda algumas semelhanças como o Gênesis, como o tempo de criação em seis dias, bem como a ordem das coisas tais quais foram criadas.
O que nos ensina a Santa Igreja Católica é que “No princípio, criou Deus o céu e a terra” é isso que consta no Credo dos Apóstolos, e é em tal verdade que a Igreja nos ensina a acreditar (CIC 279). O modo de criação, isto é, como Deus operacionalizou a criação, quais foram os métodos utilizados, quais foram as técnicas utilizadas por Deus, não são uma preocupação da Igreja, conquanto se reconheça que Deus, por vontade livre e por puro amor (CIC 295), Deus criou o céu, a terra e tudo o que neles há.
São essas algumas breves notas para orientar nossa leitura do Livro do Gênesis.
Gabriel Campos
Brasília – DF
30 de novembro de 2022
Festa de Santo André
[1] LÓPEZ, Félix Garcia. O pentateuco. Tradução Alceu Luiz Orso. 2ª Ed. São Paulo: Ave Maria, 2004, p. 15.
[2] ALTER, Robert. KERMODE, Frank. Guia literário da bíblia. São Paulo: Unesp, p. 5.
[3] Cf. LÓPEZ, Félix Garcia. O pentateuco. Tradução Alceu Luiz Orso. 2ª Ed. São Paulo: Ave Maria, 2004, p. 65.
[4] GRIMAL, Pierre. Mitologia grega. Porto Alegre: L&PM, 2008, p. 2
[5] A civilização suméria floresceu entre os anos 4.500 e 1.900 a.C. na região do Golfo Pérsico entre os rios Tigres e Eufrates.
[6] A Babilônia foi um dos grandes impérios da antiguidade, ocupando quase todo o Oriente Médio, entre 1.900 e 538 a.C.