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GRUPO SANTO ANSELMO
Fides Quaerens Intellectum

Curso de Leitura Bíblica Comentada – Livro do Êxodo 14-24

Curso Sagradas Escrituras 2022/2023

Livro do Êxodo

Capítulos 14-24

Introdução

O período de escravidão agora é passado. O povo de Israel, descendente de Abraão, Isaac e Jacob, uma grande nação, deixa o Egito e entra no deserta para uma grande aventura.

As dificuldades e o sofrimento da escravidão dão lugar às dificuldades e o sofrimento no deserto. Antes, era a esperança de um Deus que os libertaria do Egito; enquanto agora, é a esperança de um Deus que os protegerá das intempéries do deserto.

Os capítulos 14 a 24 do Livro de Êxodo podem ser divididos em quatro partes e narram (i) a saída do Egito; (ii) aliança no Sinai, com entrega dos dez mandamentos e (iii) o código da aliança.

A saída do Egito liga duas etapas importantes na vida dos Israelitas, separando a sua antiga condição de escravos na terra do Egito, para a condição de peregrinos no deserto. O elemento físico-geográfico que faz essa divisão é a passagem pelo Mar Vermelho.

O capítulo 16 inicia a jornada no deserto, as primeiras reclamações diante das dificuldades, os primeiros murmúrios e o milagre do maná e das codornizes. Esse milagre mostra que Deus não abandonaria o seu povo, nada obstante a sua infidelidade (16).

Nos capítulos 19 e 20 teremos a teofania do Sinai, a poderosa manifestação de Deus e a Aliança do Sinai, a apresentação dos Dez Mandamentos. O Decálogo constitui o núcleo básico da Lei de Deus, muito mais do que um regramento moral, o Decálogo é um conjunto de normas que está profundamente enraizado na natureza e na essência do ser humano.

Nos capítulos 20, 22 até o capítulo 24, teremos o Código da Aliança, com aquilo que chamaremos de legislação básica, isto é, um conjunto de normas que complementam o decálogo, a saber: Lei do altar, Lei sobre os escravos, homicídio, golpes e ferimentos, animais, responsabilidade civil, violação de uma virgem, leis morais e religiosas, primogênitos, relação com inimigos, ano sabático, festas em Israel, terminando com as Festas de Israel e promessas.

Enquanto o do Livro do Gênesis e os primeiros capítulos 18 capítulos do Êxodo possuem um caráter literário narrativo, a partir do capítulo 19 do Êxodo passaremos à leitura de um texto eminentemente legislativo.

Precisamos entender aqui a pretensão e os planos de Deus. Aquele Abraão escolhido na terra de Ur, há mais de 800 anos (Gn 12) foi pai de Isaac, que foi pai de Jacob, que foi pai de José e seus irmãos. Agora, os descendentes de Abraão somam mais de um milhão de pessoas e Deus pretende fazer deles um povo, uma nação. Essa nação dará testemunho de seu nome ao mundo como “povo de Deus”, e por meio deles, quando chegar o tempo oportuno, Deus se encarnará, nascendo de uma mulher, a Bem-aventurada Virgem Maria (Gálatas 4, 4).

A lei é uma parte concreta de uma grande pedagogia divina, criando um povo, uma ética nacional e religiosa, trata-se de uma grande obra de ordem sociológica, antropológica e religiosa… Deus construindo um povo, para então, por meio dele se manifestar ao mundo.

1. A Saída do Egito, a Perseguição Egípcia e a Passagem pelo Mar Vermelho – Capítulos 13, 17-21. 14-15

A partir dos capítulos 13, 17-21 lemos a notícia do povo de Israel saindo do Egito sob a liderança de Moisés.

A saída do Egito foi uma epopeia gigantesca, pois o texto diz que saíram do Egito uma multidão de 600.000 mil homens a pé, sem contar mulheres e crianças, com todos os seus bens, carroças, ovelhas, bois e jumentos. Comeram pães ázimos, pois não tiveram tempo para esperar a massa levedar. Encerrava-se um período de 430 anos desde a chegada da família de Jacob no Egito.

A Páscoa instituída por Deus, por meio de Moisés, é obrigatória para todo o povo de Israel no décimo quinto dia do primeiro mês do ano, que passou a ser aquele da saída do Egito. Dela deve comer todo israelita, seus escravos comprados, pois esses fazem parte do povo. O estrangeiro dela não comerá, mesmo habitando no meio do povo de Israel, a menos que aceite ser circuncidado, podendo aí comer a Páscoa (12, 43-51).

Na saída do Egito para a terra de Canaã, o caminho mais lógico seria margear o Mediterrâneo, passando pela Filistia e chegar a Canaã. Mas o texto bíblico afirma que é possível que uma resistência armada dos filisteus desestimulasse o povo, razão pela qual Deus fez Moisés tomar um caminho mais distante, o caminho do mar dos juncos, acampando perto de Etam. Esse caminho permite inferir com razoável certeza que em lugar de tomar o sentido nordeste, os israelitas tomaram o um sul-sudeste, indo para península do Sinai[1] (13, 17-18).

Moisés levou consigo um sarcófago, contendo o corpo de José, conforme ele havia pedido há mais de 430 anos (Gn 50, 24).

E o povo de Deus no deserto andava… Durante o dia uma nuvem os guiava e de noite uma coluna de fogo (13, 21-22).

1.1. A perseguição egípcia

Todavia, logo após a saída do Egito, o Faraó se arrepende da liberalidade concedida, e, enfurecido, envia uma tropa de soldados para perseguir o povo de Israel. A tropa era gigantesca e após dias de caminhada, os soldados egípcios se aproximam do povo em viagem. Como estão em um deserto, foi possível ver ao longe a poeira dos carros e animais egípcios (14, 5-10).

Imediatamente o povo procurou Moisés e começou a reclamar, sugerindo que melhor seria terem morrido no Egito, pois lá, embora fossem escravos, pelos menos não seriam mortos (14, 10-12). Moisés com uma grande confiança em Deus, pede ao povo que se acalme (14, 13-14).

1.2. A passagem pelo Mar Vermelho e o canto de vitória

O povo estava acampado em um lugar chamado Baal Sefon. Diante dele o Mar Vermelho, e atrás dele o exército do Faraó. Moisés pede a Deus uma providência e a ordem de Deus é clara: “Por que clama a mim? Mande o povo marchar, e você estenda a sua vara sobre o mar” (14, 15).

Durante essa noite, a nuvem que ia adiante do povo (13, 21-22) se deslocou para uma posição entre o acampamento do povo israelita e o acampamento dos egípcios. Tal fato provocou uma grande aparência de tempestade, de tal modo que a tropa egípcia não poderia se aproximar do acampamento israelita (14, 19-20).

Diante disso, Moisés estendeu a sua mão sobre o mar e um forte vento fez o mar se abrir, com uma passagem seca, de tal modo que se formaram duas paredes de água, uma à direita e outra à esquerda. O povo de Israel então passou pelo mar em terra seca (14, 21-22).

Somente após toda a passagem do povo de Israel por dentro do mar, a nuvem deixou o acampamento egípcio. Diz o texto que os egípcios também entraram pelo mar aberto em duas partes, mas eles tiveram dificuldade para fazer a travessia. Deus então mandou Moisés estender a sua mão sobre o mar e as águas se fecharam, afogando toda aquela tropa (14, 23-29).

Em razão desse grande milagre, o povo muito se alegou e Moisés entoou um canto de louvor a Deus. O capítulo 15 narra esse canto que celebra a vitória do povo de Israel nesse episódio, após o livramento fantástico providenciado por Deus.

A passagem pelo Mar Vermelho tem dois significados, um de ordem local e estratégico, pois o curso de água separava definitivamente o povo de Israel do Egito, e agora a relação servil que existiu por mais de 400 anos estava quebrada, enfim, o povo de Israel era um povo livre.

A passagem pelo mar Vermelho é um prenúncio, uma prefiguração no nosso batismo (15-16). Assim como o povo de Israel sai da condição de escravidão e para alcançar o deserto que o separa do Egito, passa pela água, pelo mar; o cristão deixando a vida separada de Deus, para ingressar no corpo de Cristo que é a Igreja, passa pelo batismo.

Trata-se de um momento de Festa, de alegria. Não é sem razão que estando do outro lado do Mar Vermelho, o texto do capítulo 15 é constituído pelo Canto da Vitória.

2. A Caminhada no Deserto, a Falta de Água, as Codornizes e o Maná, Jetro e os Juízes – Capítulos 15, 22-27; 16-18.

Assim como o batismo marca o início da vida do cristão que tem agora de viver a vida em Cristo em busca da salvação de sua alma, o povo que passou pelo mar Vermelho terá agora de enfrentar o deserto, viver a vida em busca da terra de Canaã.

O povo já está livre da escravidão egípcia e o mar Vermelho é uma espécie de barreira física que o separa da antiga terra de escravidão, em relação à caminhada rumo à Canaã. Do mesmo modo, nós já estamos em Cristo pelo batismo, mas temos pela frente toda a nossa vida, esse é o nosso deserto, que teremos de enfrentar rumo à Canaã celestial.

2.1. O problema da falta de água

Eles caminham pelo deserto de Sur na península do Sinai e não acharam água. Chegaram a um lugar chamado Mara, mas a água ali era amarga e o povo reclamou com Moisés. Esse então orou a Deus e por ordem de Deus, Moisés lançou um tronco sobre as fontes e água e essas se tornaram boas para beber (15, 22-25).

Ali Moisés falou ao povo que se eles obedecessem a Deus em todos os seus mandamentos, o próprio Deus os livraria do mal e das doenças (15, 26).

Vejamos mais uma vez aqui a prefiguração entre o deserto e a vida cristã.

Mesmo quem nunca esteve no deserto sabe que ali a água é escassa, e sendo a água um bem essencial à vida, a sua procura, uso e acondicionamento, quando se trata de um deserto é um assunto relevantíssimo.

Ora, a vida cristã é um deserto, com suas dificuldades, vicissitudes, tentações, aridez espiritual, oportunidades para o desânimo e o risco da desistência. Para não sofrermos e conseguirmos atravessar o deserto de nossa existência neste mundo, precisaremos da água da vida, por meio de orações, sacramentos e vivência da fé católica.

2.2. As codornizes e o Maná

Saindo da região de Sur e indo para o interior da península do Sinai, depois de mais de um mês de caminhada, quando as provisões já tinham se esgotado, o povo murmurou contra Moisés, lembrando que no Egito, apesar da condição de escravos, eles tinham comida para comer e água para beber (16, 1-3).

Moisés orou a Deus e esse lhe respondeu dizendo que o povo teria carne para comer e pão para se fartar.

Deus então fez cobrir o arraial com uma nuvem de codornizes, sendo tantas aves que o povo podia facilmente apreendê-las e prepará-las para se alimentar à noite. No dia seguinte surgiu uma coisa miúda sobre a terra, um tanto granulosa, logo cedo e cobriu todo o acampamento, era uma espécie de farinha, era o Maná, o pão do céu. Moisés então mandou que colhessem uma medida para uma pessoa, não mais que isso. Mais tarde com o calor do sol o Maná derretia.

Muitos, porém, como medo de não ter Maná no dia seguinte, juntou o suficiente para vários dias. Ocorre que no dia seguinte, o excedente cheirava mal.

Moisés disse ao povo que deveria apanhar apenas o suficiente para um dia e confiar em Deus, pois jamais faltaria Maná durante a jornada no deserto. No entanto, na sexta-feira deveriam colher o dobro, para não trabalharem no sábado. Assim foi feito e esse excedente não apodreceu.

Durante os quarenta anos no deserto jamais faltou o Maná para o povo de Israel.

O Maná e as codornizes são a prefiguração do alimento que precisamos para a nossa jornada no deserto da nossa vida. Precisamos de alimento espiritual e físico, precisamos de água, espiritual e física, precisamos de descanso espiritual e físico.

A questão final neste texto é que Deus jamais abandonará o seu povo.

2.3. Jetro o sogro de Moisés e os juízes

Jetro, sogro de Moisés e sacerdote de Madiã, tendo ouvido falar da incrível jornada de Moisés, veio ao seu encontro e trouxe a sua esposa Séfora e seus dois filhos, Gerson e Eleazer, quando então puderam estar em família Moisés lhe contou tudo que acontecera (18, 1-11).

Como sacerdote de Madiã, Jetro não limitou sua visita a um evento social, por certo falaram de Deus, de sua bondade e de capacidade de agir em favor de seu povo, por isso ofereceram um sacrifício a Deus (18, 12).

No dia seguinte, Moisés se reuniu com o povo para julgar suas questões, desavenças, dúvidas e outros males. E fez isso por todo o dia. Jetro, sogro de Moisés, viu que Moisés julgava sozinho todas as causas e isso lhe era muito cansativo.

Jetro então sugeriu que Moisés escolhesse homens de bem, capazes e tementes a Deus e os ponha como chefes de mil, chefes de cem, chefes de cinquenta e chefes de dez. Eles julgarão o povo e as causas mais difíceis eles trarão a ti e tu os julgarás (18, 13-23). Na verdade, Jetro estava criando ali uma espécie de descentralização por níveis de hierarquia e complexidade de temas, tornando Moisés um julgador das causas mais complexas. E assim foi feito (18, 24-27).

Todos somos chamados a cooperar para o bem daqueles que hão de herdar o reino de Deus, por isso as tarefas da Igreja são distribuídas entre os diversos católicos, de acordo com seu talento, tempo e disposição para o trabalho. Todos são importantes, desde os chefes de mil até os chefes de dez.

3. A Aliança no Sinai, o Decálogo e o Código da Aliança – Capítulos 19 – 24

Esse é um dos pontos mais importantes de toda a Bíblia Sagrada, e, em especial, do Antigo Testamento.

3.1. A Aliança no Sinai

No terceiro mês da saída do Egito o povo chega na região do Sinai e acampa aos pés da montanha, quando então Deus chama Moisés e faz a sua proposta de aliança. Moisés desce e apresenta a proposta de Deus ao povo, tendo o povo concordado com todas as palavras de Moisés (19, 1-8). Merecem aqui serem lembradas tais palavras (19, 4-8):

E subiu Moisés a Deus, e o Senhor o chamou do monte, dizendo: Assim falarás à casa de Jacó, e anunciarás aos filhos de Israel: “Vós tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre asas de águias, e vos trouxe a mim; agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos, porque toda a terra é minha. E vós me sereis um reino sacerdotal e o povo santo”. Estas são as palavras que falarás aos filhos de Israel. E veio Moisés, e chamou os anciãos do povo, e expôs diante deles todas estas palavras, que o Senhor lhe tinha ordenado. Então todo o povo respondeu a uma voz, e disse: “Tudo o que o Senhor tem falado, faremos”. E relatou Moisés ao Senhor as palavras do povo.

Deus então diz a Moisés que se manifestará de forma terrível, para tanto, devem ser fixados limites para que o povo não ultrapasse sob pena de serem mortos. Moisés então ordena ao povo a preparação, pois Deus se manifestará de forma visível (19, 9-14).

No dia seguinte, toda a montanha fumegava e trovejava, porque Iahweh descera sobre ela e a fumaça da montanha subia até o céu. Ouvia-se um som de trombeta e enquanto Moisés falava, Deus lhe respondia por meio de trovões (19, 16-20).

Moisés então desce e apresenta o Decálogo, os Dez Mandamentos (20, 1-18).

A cena foi uma grandiosa teofania, no topo do Monte Sinai tinha fogo, fumaça, incenso, raios e trovões, nuvens escuras e fumo… (20, 18-20).

A aliança do Sinai, mesmo estrondosa e aparentemente assustadora é um pálido reflexo da aliança do calvário.

Com efeito, no calvário temos a última e definitiva aliança, por meio da qual Deus salvará todo o gênero humano. Por isso somos chamados a fazer essa experiência de estarmos aliançados com Deus, cumprindo a nossa parte, na forma de uma vida de piedade, oração, humildade, serviço, e, sobretudo, de uma vida marcada pelos sacramentos.

3.2. O código da aliança

Eu vou denominar aqui de legislação básica ou geral, aquilo que a Bíblia de Jerusalém coloca como Código da Aliança, a partir do capítulo 20, 27. Trata-se de um conjunto de leis e normas que vão além dos Dez Mandamentos e estabelece uma série de regras para o povo de Israel.

Como tenho dito nos textos e nas lives, a ideia de Deus é construir um povo, uma nação, uma comunidade que testemunhe aos povos da terra as suas grandezas. Por óbvio que esse povo tem de ser diferente em seu comportamento, princípios, valores e modo de agir. É preciso que esse povo mostre aos demais povos da terra, uma nova forma de viver e de se relacionar uns com os outros. Daí a necessidade de uma legislação moral e comportamental.

A primeira norma é uma orientação sobre o altar de sacrifício (20 ,22-26). Vale lembrar que todo sacrifício de animais no Antigo Testamento, é uma espécie de prefiguração do último e definitivo sacrifício que Cristo fará na cruz.

A regra sobre a propriedade de escravos, direitos e deveres, regras de alforria e a possibilidade de uma servidão voluntária está definida no texto do capítulo 21, 1-11.

Talvez você possa pensar aqui, por qual razão Deus tolera a escravidão no meio do seu povo, admitindo, inclusive, que os israelitas tenham escravos e porque hoje a Igreja não admite a escravidão. Veja bem, aqui é preciso entender que Deus sempre agiu no seio de um povo, de acordo de com a sua cultura, com os seus costumes e com o seu modo de vida. Isto é, Deus entra na história humana no estágio em que essa história está.

Por tal razão, Deus vai, muitas vezes, suportar, tolerar certas práticas, em razão daquela manifestação ter se dado em um tempo específico. A partir de então, Deus vai então trabalhar aquele povo, para moldá-los aos poucos, reconstruindo as suas estruturas.

Assim a escravidão, a poligamia, certo nível de violência e outras práticas serão toleradas por Deus. Quando daqui 1.200 anos chegar o tempo de Cristo e da Igreja, o ensinamento não será mais a Lei de Talião, na forma do “dente por dente, olho por olho” (Êxodo 21). Jesus fará uma proposta de uma nova ética, onde, em lugar de olho por olho, seremos chamados a amar os nossos inimigos e fazer o bem a quem nos persegue (Mateus 5, 43-44).

Vejamos a legislação básica.

O homicídio é punido com a morte, e de modo especial, o parricídio e o matricídio, até mesmo o lançamento de maldição contra o seu irmão tinha como pena a morte (21, 12-15). No caso de golpes e ferimentos, que poderíamos chamar hoje de lesões corporais, temos o texto do capítulo 21, 18-36, com a aplicação da Lei de Talião.

A ideia aqui é conter a violência e a vingança exacerbada, criando uma espécie de proporcionalidade entre do dano sofrido e a vingança possível de ser realizada.

O texto de 21, 37 a 22, 1-3 temos uma regra especial sobre o roubo de animais, contendo aí uma novidade, a legítima defesa por parte do proprietário, que, se matar um ladrão no ato do roubo ou furto, não seria culpado por essa morte.

Em seguida o Código da Aliança vai disciplinar uma regra básica de indenização por danos causados a terceiros, o que se denomina atualmente de responsabilidade civil (22, 4-14). A regra básica ali inscrita é a de que todos devemos respeitar a propriedade alheia e nos portar de tal modo que não causemos prejuízos a terceiros, pois aquele que causar prejuízo, tem o dever de reparar o dano.

A sedução de uma mulher virgem, seguida de um ato sexual, obriga o sedutor ao casamento com a mulher. Ressalvada a possibilidade de uma indenização, caso o pai da virgem não aceitar o casamento (22, 15-16).

É preciso entender esse texto no contexto em que ele se encontra. Não se trata de um texto que desvaloriza a mulher, antes, pelo contrário, existe aqui um tratamento de valoração da mulher. A questão da virgindade para o casamento dentre os povos antigos era de muita relevância, razão pela qual um ato sexual antes do casamento, obrigaria o homem a se casar com a mulher seduzida. De outro lado, a possibilidade de a família não aceitar o casamento e resolver a situação por meio de uma indenização, que sendo equivalente ao dote de casamento, não era um valor pequeno, mostra que o casamento em razão do ato sexual não era automático, podendo a família, e quem sabe até a própria mulher, verificar, examinar se aquele casamento era a melhor opção.

Por fim, o capítulo 22, 17-27, traz algumas normas específicas sobre feitiçaria, punida com a morte; bestialismo, também punido com a morte; respeito e cordialidade para com o estrangeiro; cuidado e caridade para com os órfãos e as viúvas; vedação à usura na forma dos juros; caridade para com os devedores e respeito às autoridades.

Vejamos cada um dos casos.

A feitiçaria merecia uma punição severa em razão da sua própria natureza. Uma sociedade que estava sendo preparada para crer em um único Deus criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis, não poderia se dar ao disparate de crer em poções, feitiços e coisas afins, pois além de desviar o olhar para um único Deus, abriria espaço para ação demoníaca por meio da mentira e enganações.

A sexualidade, em razão de sua força na natureza humana há de ser vivida com temperança, não podendo o ser humano se entregar a toda sorte de prazeres sexuais de forma irracional. Portanto, a prática de sexo com animais, que já era desde tempos antigos uma prática comum, haveria de ser reprimida.

O estrangeiro, o órfão, a viúva e os endividados eram pessoas vulneráveis, e, portanto, mereceram no código um tratamento especial. Deus é puro amor e esse amor deve refletir na vida daqueles que andam com Deus. Nessa fase inicial, Deus vai cobrar a caridade para com os mais frágeis e vulneráveis. Por fim, o respeito às autoridades, que constitui uma ordenança básica em um povo civilizado.

Os filhos primogênitos eram consagrados a Deus, assim como as primícias, as primeiras colheitas (23, 28-30). Aqui temos uma relação entre aquilo que nos pertence, como os filhos e a colheita e nossa relação com Deus. A orientação aqui é que tudo é do pai, somos apenas mordomos daquilo que Deus nos confiou.

No capítulo 23, 1-9, seguem leis morais, tais como não espalhar notícias falsas; não fraudar processos; devolver coisas de terceiros; não desviar dinheiro; não matar o inocente e não aceitar presentes em tais condições.

Voltamos aos comentários relativos ao item anterior, no sentido de Deus está construindo um povo com um conjunto ético e moral distinto dos povos de então.

O ano sabático (23, 10-13) consistia em não ceifar a terra depois de seis anos seguidos, permitindo um ano de descanso para a terra, e ainda, uma ação de caridade, pois tudo o que nascer no sétimo ano seria para os pobres da terra.

Após seis anos de plantações e colheitas, os israelitas deverão deixar a terra sem cultivo, e nesse ano o que nascesse na terra seria do pobre e do desvalido. Trata-se de uma medida que tem dois objetivos, a saber, uma medida de natureza caritativa, e outra medida de natureza ambiental.

As festas a serem celebradas serão três e que mais tarde serão detalhadas no Levítico, a saber, a Festa dos Ázimos, a Festa das Primícias e a Festa da Colheita (23, 14-17).

Após a apresentação da legislação do Código da Aliança, Deus promete enviar o seu anjo adiante do povo, para guiar o povo, defender em suas dificuldades e orientar em seus caminhos (23, 20-26).

O capítulo 24 trata da conclusão da aliança, quando Deus pede que Moisés e outros subam com ele à montanha. Moisés se aproximará de Deus, enquanto os outros adorarão de longe. Assim foi feito (24 1-5).

Ao descerem da montanha, Moisés leu diante do povo o Livro da Aliança e todos concordaram em seguir as prescrições estabelecidas por Deus (24, 7-8).

Ao final da conclusão da aliança, Deus chama a Moisés para lhe entregar as tábuas da lei. Ele então sobe a montanha com Josué. A nuvem cobriu e da nuvem Deus chamou a Moisés e ele ficou no topo da montanha diante de Deus por 40 dias (24, 12-18).


Gabriel Campos Brasília – DF,
06 de fevereiro de 2022
Memória de São Paulo Miki e seus companheiros mártires.


[1] BERGANT, Dianne. KARRIS, Robert J. Comentário bíblico (tradução Barbara Theoto Lambert). São Paulo: Loyola, vol. I, p. 95.

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