logo-grupo-santo-anselmo
GRUPO SANTO ANSELMO
Fides Quaerens Intellectum

As Quatro Mulheres que Aparecem na Genealogia de Jesus e a Universalidade da Salvação

Uma questão relevante na apresentação das gerações realizadas por São Mateus é o fato de constar a presença de quatro mulheres, um fato incomum em genealogias da cultura oriental. Com efeito, na cultura oriental a genealogia é essencialmente marcada pela figura paterna, mas no caso da genealogia de Jesus, São Mateus inova apresentando quatro mulheres.

São elas: Tamar, uma cananeia; Raab, uma moabita; Rute, uma cananeia, e Betesabá, uma hitita.

Existem duas questões interessantes e comuns às quatro mulheres, que segundo São Mateus, estão na genealogia de Jesus Cristo, a saber, as quatro eram estrangeiras que acabaram por ingressar na linhagem real de Israel; e mais, as quatro experimentaram em algum momento em suas vidas, uma conduta peculiar, que pode ser analisado sob o aspecto moral, sendo exatamente tão conduta, moralmente questionável, o fato que as fez integrar a genealogia de Jesus.

Vejamos cada uma delas e sua história.

Tamar era uma cananeia, nora de Judá, filho de Jacob, e sua história está narrada em Gênesis 38. Ocorre que Er, filho de Judá e marido de Tamar morreu sem lhe deixar filhos. Cumprindo o costume do levirato, Judá deu seu segundo filho, Onã, como marido de Tamar, mas esse também morreu sem deixar filhos. Como o terceiro filho, Selá, era adolescente, Judá pediu que Tamar esperasse que ele se tornasse adulto. Na verdade, Judá não pretendia cumprir o costume do levirato, antes tinha medo de seu terceiro filho morrer ao se casar com Tamar. Diante do descumprimento da tradição do levirato, Tamar disfarçou-se de prostituta, colocando-se no caminho por onde passaria Judá seu sogro. Tendo esse a contratado como prostituta, sem saber que se tratava de sua nora, tiveram relações sexuais e ela engravidou e gerou dois filhos, Farés e Zara. Quando Judá descobriu que ela estava grávida, intentou queimá-la viva, pois essa era a pena de morte para a o adultério no seu tempo. Ela porém deu a conhecer que o pai de seus filhos era o seu sogro, pois ela tinha retido objetos dele como penhor de pagamento pelo ato sexual. Com isso ela foi poupada, e Farés seu filho, deu sequência à linhagem genealógica da Tribo de Judá, sendo um antepassado do Rei Davi e de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Raab era uma moabita habitante de Jericó, quando concluído o êxodo, estão os israelitas diante dessa cidade, prontos para conquistar a terra prometida. Josué enviou dois espiões para fazer um levantamento da cidade de Jericó e suas defesas (Js 2), tendo esses homens passado a noite na casa de uma prostituta chamada Raab. Além de escondê-los protegê-los das autoridades de Jericó, tornando possível que completassem a missão, Raab se mostra uma pessoa temente a Deus, roga misericórdia para si e sua família, reconhece o poder e força do Deus de Israel e admite se unir a essa nova família, na verdade, Raab passa por uma conversão ao judaísmo. Como recompensa por sua ajuda, ela e sua família são poupadas, ela se integra ao povo de Israel e se torna uma antepassada do Rei Davi e de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Rute é uma moabita, viúva de um israelita, sem filhos e pobre. Apesar de sua formosura e da possibilidade de se casar novamente, até mesmo para fugir da pobreza em que vivia, ela prefere manter-se fiel à sobra Noemi, israelita e também viúva. A sua história está contada em um livro homônimo, que nos conta ter a sua sogra Noemi se lembrado de um antigo parente de seu marido chamado Booz, em cujos campos elas poderiam mendigar o pão. Lá chegando, Noemi dá instruções a Rute para ela se achegar a Booz durante a noite em sua tenda, em um claro clima de sedução por iniciativa feminina, o que seria incomum naquela cultura (Rt 3), muito embora, o próprio Booz já tivesse demonstrado algum interesse por Rute (Rt 2). De todo modo, a união de Rute e Booz se tornou um casamento, tendo Rute se tornado bisavó do Rei Davi e parte integrante da genealogia de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Betesebá era uma mulher hitita, casada com Urias, um oficial do exército israelita. Enquanto o seu marido estava no campo de batalha, Betesebá manteve um relacionamento extraconjugal com o Rei Davi (II Samuel 11). Posteriormente, Davi criou um incidente de batalha para facilitar a morte de Urias, o que efetivamente ocorreu. Diante da viuvez de Betesebá, Davi mandou trazê-la ao palácio e fez dela uma de suas esposas, tendo ela sido a mãe do Rei Salomão, e, portanto, uma antepassada de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Então temos quatro mulheres, sendo que todas elas integram a genealogia de Nosso Senhor Jesus Cristo por meio de incidentes de ordem sexual, sendo um caso de incesto (Tamar), uma prostituta (Raab), uma história de inocente sedução por iniciativa feminina (Rute) e uma infidelidade conjugal (Betesebá). Saliente-se que a presença de estrangeiras na linhagem real de Jesus Cristo não desnatura a ascendência abraâmica, porque a genealogia era determinada pela paternidade e nesse caso as estrangeiras são as mulheres. Possivelmente, São Mateus quis mostrar aos seus leitores, judeus convertidos ao cristianismo, a presença de estrangeiras dentre os ascendentes de Jesus Cristo, como uma forma de combater uma ideia exclusivista do advento de Jesus Cristo, que poderia está presente naqueles dias. Outra questão relevante aí é a dimensão eclesiológica da presença dessas quatro mulheres estrangeiras, apontando a para a universalidade da salvação[1], que está destinada e ordenada a todo o gênero humano. E por fim, o elemento libidinoso em todos os quatro casos apontam para a fragilidade e o pecado humano, não apenas do estrangeiro, mas de todos os homens, bem como o perdão oferecido por Deus a todos os que se arrependerem.

O Papa Bento XVI[2] afirma que a condição de pecadoras não pode ser considerada como o elemento central da sua inclusão na genealogia, pois com exceção do próprio Jesus e de Maria, todos os que estão naquela lista são pecadores, portanto, o que efetivamente marca a presença dessas mulheres é a condição de serem estrangeiras, isto é, não são descendentes de Abraão. O que efetivamente torna relevante a presença dessas quatro mulheres, segundo Sua Santidade, é que “por intermédio delas, entra na genealogia de Jesus o mundo dos gentios: torna-se visível que a missão de Jesus se destina a judeus e pagãos”.

Por fim, em contraste com essas quatro mulheres, São Mateus vai mencionar mais uma mulher: “Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado Cristo”. São Mateus conclui assim a genealogia de Nosso Senhor Jesus Cristo, descendente de Davi e de Abraão, tendo em sua ascendência quatro mulheres que poderiam ser consideradas com certo desprezo, mas sendo ao final, filho de Maria, Santa e Imaculada.

Gabriel Campos, Brasília-DF, 12 de Janeiro de 2024, Memória de Santo Antônio Maria Pucci, OSM.


[1] LEAL, SJ. Juan (Organ.) La sagrada escritura texto y comentario nuevo testamento. BAC,Madrid, 1967, vol. I, p. 19.

[2] RATZINGER, Joseph Alois. Jesus de nazaré a infância. (Tradução Bruno Bastos Lins). 2ª Edição, São Paulo: Planeta, 2017, p. 15.

Gostou? Compartilhe
Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram
WhatsApp
E-mail
Imprimir

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

sete − um =