1. Os irmãos de José descem ao Egito por duas vezes e José os reconhece
Os capítulos 42-45 narram um conjunto de histórias em torno das viagens que os irmãos de José fazem ao Egito para comprar alimentos, como são recebidos por José, como serão tratados e o desenlace final.
1.1. Análise da situação
É preciso aqui relembrar a vilania, a maldade a perversidade dos irmãos de José. Sim, no passado, eles tencionaram matar o seu irmão mais novo, um adolescente de 17 anos.
E mesmo quando desistem de matá-lo, a solução ainda é igualmente cruel, vender um irmão mais novo, ainda adolescente, como escravo, e ainda, levar uma falsa prova de morte para maior sofrimento do velho Israel, já idoso e tendo de conviver com a ideia de que seu filho amado fora devorado por uma fera.
Todas as vicissitudes pelas quais José passou, como a traição ao ser jogado na cisterna, a vida de escravo, a acusação falsa de crime na casa de Potifar, os seus anos da prisão, tudo isso se deveu ao ato insano de seus irmãos.
Pois bem, a situação agora mudou drasticamente. Aquele irmão odiado, impertinente, desprezado e castigado de forma vil e impiedosa dera a volta por cima de uma forma absolutamente impensável. Sim, José o desprezado e escravizado adolescente de 17 anos é agora o governador, o vice-Rei da maior potência política e econômica da época.
Claro que se José se desse a conhecer de imediato, os seus irmãos cairiam aos seus pés aos prantos, pediriam perdão por todos os erros cometidos para com ele. Com efeito, José precisava investigar as mentes, as almas, as relações daqueles homens, que há quase 30 anos perpetraram toda a sorte de maldade com ele.
Enfim, José precisava saber se estavam arrependidos.
E nessas duas viagens, tal qual descrito nesses três capítulos José vai usar de sua condição de homem poderoso, administrador do Egito, dotado de autoridade e de meios diversos para avaliar até que ponto aqueles homens, seus irmãos, se emendaram em face do que fizeram.
1.2. Primeira viagem dos irmãos de José ao Egito
A primeira viagem dos irmãos de José ao Egito, em razão da fome na terra, está descrita em Gênesis 42.
Dos doze filhos de Israel, José está no Egito como governador sem que ninguém saiba, e dos onze, dez viajam ao Egito para comprar mantimentos. Israel não permitiu que Benjamin, o filho mais novo, fosse ao Egito, pois tinha medo de algum mal lhe sucedesse (42, 1-4).
Desceram ao Egito (42, 5-9), tendo José lhes reconhecido, mas eles não o reconheceram, quando então foram interrogados (42, 7). José joga com eles, acusam-lhes de espionagem (42, 8), quando então eles falaram a José da família, de seu pai e se mostraram arrependidos (42, 12-13, 18-22).
José então exigiu que lhes trouxesse Benjamin, o irmão mais novo, para ver o que fariam, diante da possibilidade de causar um mal ao irmão mais novo, assim como fizeram com ele (42, 18-20).
Esse teatro terrível, mas necessário, realizado por José, para por à prova os seus irmãos, é marcado por um grande sofrimento dele, que por diversas vezes tem de sair da presença dos irmãos para chorar escondido (42, 23).
Simeão fica preso no Egito, como garantia de que trarão Benjamin (42, 24).
Os irmãos de José retornam a Canaã sem Simeão, mas curiosamente descobrem que o dinheiro com que pagaram os mantimentos foram devolvidos às escondidas, nos sacos de cereais, sob ordem de José.
Retornando a Canaã relatam tudo a Israel, inclusive a exigência de que levassem Benjamin na viagem seguinte. O velho Israel entra em desespero, pois José está morto, pensa ele, Simeão está detido no Egito, e agora querem levar o filho mais novo, Benjamin, com efeito, é muito sofrimento para o velho e cansado coração de Israel. Ele não admite a ida de Benjamin em uma próxima viagem (42, 25-37).
1.3. A segunda viagem dos irmãos de José ao Egito e a prova final
No entanto, os alimentos acabaram e uma nova compra no Egito se faz necessária. Os filhos de Israel lembram que, segundo o Governador do Egito, caso Benjamin não vá, eles sequer serão atendidos e não terão alimentos a serem comprados (43, 1-7).
Judá se compromete e se responsabiliza diante do pai pela vida do jovem Benjamin (43, 8-10). O velho Israel então concorda (43, 11-14).
Ao chegarem ao Egito, José os encaminha ao lugar onde vive e manda lhes preparar um banquete. Toda a cerimônia de recepção, as ordens e os movimentos de empregados amedrontam os seus irmãos (43, 15-18). Mencionam o episódio do dinheiro devolvido, propõe a contra devolução, no que não são atendidos, fazendo o temor aumentar.
José então faz um encontro amigável, pergunta pelo pai daqueles homens e recebe a resposta de que ele está bem. José se emociona ao ver seu irmão mais novo, Benjamin, a ponto de se retirar para chorar de tanta emoção, retornando depois para a refeição.
José então determina que novamente devolvam o dinheiro deles juntamente com os mantimentos. Mais do que isso, José prepara-lhes uma armadilha, mandando colocar a sua taça principal dentre os objetos de Benjamin (43, 1-5).
Quanto partiram, José manda que sejam alcançados e os acusa de furto, apesar de terem sido tão bem tratados. Então abrem os sacos de mantimentos, quando se percebe ali o dinheiro do pagamento, e mais, dentre os bens de Benjamin é encontrada a taça de José, o Governador do Egito (43, 6-13).
José então apresenta um veredito. Benjamin que teria furtado a sua taça ficará como seu escravo no Egito, enquanto os outros dez, inclusive Simeão, poderão voltar à terra de Canaã (43, 14-17).
Essa armação de José é evidentemente um teste, muito semelhante à situação que ele vivera mais de 20 anos antes. José queria saber como eles iriam dar a notícia a Israel do infortúnio de Benjamin, assim como fizeram com ele próprio, quando simularam sem dó uma falsa morte para encobrir o fato de o terem vendido como escravo para o Egito.
Judá então faz uma intervenção dramática acerca de toda a situação que viveram, desde a primeira viagem, o sofrimento do pai Israel pela “morte” de José, irmão de Benjamin, e a impossibilidade de seu velho pai Israel ter de conviver com a perda de mais um filho.
Ao final, Judá se oferece como escravo em lugar de Benjamin, para que este volte são e salvo a Israel seu pai.
Com isso José percebeu que seus irmãos estavam arrependidos do mal que lhe fizeram na juventude. Com efeito, a possibilidade de se oferecer como escravo para salvar a liberdade de Benjamin e não fazer sofrer o seu pai Israel, tal qual sofrera antes, é a prova do arrependimento (44, 18-34).
2. José se dá a conhecer a seus irmãos
Diante dessa situação dramática, José aos prantos se dá a conhecer aos seus irmãos, e prantos tão altos que todos ouviram e a notícia chegou ao Faraó. A cena da autorrevelação é dramática: “Eu sou José! Vive ainda meu pai?” (45, 1-8)
Os seus irmãos ficaram atônitos e quase não puderam responder, pois um misto de alegria, espanto, arrependimento, tristeza e felicidade intensa se apoderou de todos eles.
Esse encontro é marcado, sobretudo, pelo perdão que José oferece aos seus irmãos, pelo sepultamento do passado, pelo enterrar das mágoas e pela vontade de reconstruir a família de Israel.
Essas duas viagens ocorrem nos dois primeiros anos da escassez, faltando ainda 5 anos de tempos ruins (45, 6). Diante disso, José vê como melhor solução a descida de toda a família ao Egito, para ali viverem por um tempo, sob a sua proteção, na fértil terra de Gessen, no delta do rio Nilo (45, 10).
José então ordena os seus irmãos que busquem o seu pai em Canaã e toda a família venham todos para o Egito (45, 9-13).
Depois disso, José abraça e beija afetuosamente o seu jovem irmão Benjamin, filho de sua mãe Raquel. Depois abraça e beija todos os seus irmãos (45, 14-15).
Nessa época, em razão de todos os seus dotes e trabalhos, José continuava a gozar de imenso prestígio diante do Faraó, que aprova cabalmente os planos de José, fazendo o Egito acolher a sua família (45, 16-20).
Os irmãos de José retornam com todas essas notícias à Canaã com presentes, mantimentos, recursos e alegrias (45, 21-28).
2.1. A ida de Israel para o Egito
Então Israel e todos os seus familiares ajuntaram todos os seus bens e rebanhos e desceram ao Egito, quando então Deus lhe falou que nada temesse, mas alertou que aquela ida ao Egito não seria definitiva, pois os descendentes de Abraão haveriam de retornar à terra de Canaã (46, 1-7).
O texto do capítulo 46, 8-26 apresenta a família completa de Israel que descera ao Egito, sendo mais de 70 pessoas, sem contar as mulheres dos filhos de Israel (46, 26).
O velho Israel chega na terra de Gessen para ali viver, quando então o seu filho José vai ao seu encontro, pondo fim a um sofrimento de quase trinta anos (28-30).
O prestígio de José é tal que o próprio Faraó concede uma audiência a Israel e com ele trata de forma amistosa e receptiva, confirmando a terra de Gessen para que ali possam viver (46, 5b-12).
3. A política agrária de José
A fome continua, quando então as pessoas não têm mais sequer dinheiro para comprar mantimentos. José então propõe que eles paguem os alimentos com as suas terras, gerando assim uma publicização de todas as terras do Egito, que passam a pertencer ao Estado.
Diante disso José, mantendo a propriedade das terras nas mãos do Faraó, entrega as terras aos seus antigos proprietários em regime de parceria, podendo cada um cultivar a terra, mas deverão ao Faraó 1/5 de toda a sua colheita (47, 13-26).
4. A bênção de Jacob, sua morte e funerais
Como de costume nas patriarquias, estando Jacob já idoso, proferiu a sua bênção patriarcal aos seus filhos, anunciando ali a cada filho as suas características (49, 1-28).
Jacob então pede que seu corpo seja sepultado no mesmo lugar onde estão sepultados os seus pais, diante de Mambré em Canaã. Ditas essas instruções, Jacob faleceu farto de dias e bênçãos (49, 29-33).
José deu ordem para que o corpo de seu pai fosse embalsamado, tendo todos os seus filhos chorado por dias e dias. Após toda essa preparação, Jacob foi levado ao lugar determinado por eles e ali foi sepultado (50, 1-14).
Uma pequena crise de temor se abate sobre os irmãos de José após a morte de Israel. Eles temiam que o perdão de José somente subsistiria enquanto o seu pai Israel existisse. Diante da morte do pai, temeram que José os reduzisse à condição de escravo. José se entristece e reafirma o seu perdão e a altivez dos planos de Deus, mesmo quando as ações humanas são desacertadas (50, 15-21).
Ao final, José avisa aos seus que Deus lhes fará voltar um dia à terra de Canaã e da ordens específicas acerca do traslado de seu corpo para sepultamento junto do corpo de seu pai (50, 22-25). E assim foi feito. Tendo José falecido aos 110 anos, seu corpo foi embalsamado e guardado em um sarcófago no Egito (50, 26).
Gabriel Campos, Brasília – DF, 26 de fevereiro de 2024. Memória de São Porfírio.