1. Jacob foge de Haran e Labão o persegue
Jacob toma as suas mulheres, filhos, servos, animais e todos os seus bens e foge de Haran, retornando a Canaã, não demorando muito tempo para que Labão e seus filhos percebam a fuga e o persigam (31, 1-21).
Labão alcança Jacob e faz um discurso de um injustiçado, dizendo que Jacob fugira levando suas filhas e netos, sem que ele tivesse meios de se despedir em festa. E ainda relata que Deus lhe falou para não causar dano a Jacob (31, 22-25). Jacob se defende e alega todos os 20 anos de trabalho árduo e de fidelidade para com o seu tio e sogro (31, 26-42). Após árdua discussão, ambos fazem as pazes, um sacrifício a Deus cada um segue o seu caminho (31, 43-54).
2. A luta com Deus, o encontro com Esaú e a chegada a Siquém em Canaã
Jacob prossegue viagem com sua família, seus servos e seus bens, preparando-se para o encontro com Esaú seu irmão. Em sua mente, a lembrança clara dos embates com Esaú e a possível ira desse em razão da lesão ao seu direito à primogenitura e à bênção patriarcal (32, 4-6).
Enviando mensageiros de paz, esses trazem a notícia de que Esaú está vindo ao seu encontro com grande caravana, o que faz Isaac ter medo, pois ele imagina que essa vinda de Esaú será uma ação de vingança e ira. Como forma de minorar eventuais danos diante de um ataque do seu irmão, ele separa a sua caravana em dois grupos (32, 7-14), e ainda, preparou um vultoso presente ao seu irmão Esaú, composto de cabras, bodes, ovelhas e cordeiros (32, 15-22).
Durante a viagem para Canaã, Jacob terá de passar por um pequeno rio chamado Jaboque. Nesse momento ele se separa de sua caravana, atravessando sozinho o vau do rio Jaboque.
Nesse momento, o texto de Gênesis 32, 23-33 narra uma teofania curiosa, na qual Jacob luta com um homem durante toda a noite até o amanhecer, quando então o oponente de Jacob pede para ir, quando Jacob o segura e diz: “não te deixarei ir se não me abençoares”. Esse homem muda o seu nome para Israel, dizendo: “Não te chamará mais Jacob, mas Israel, porque foste forte, contra Deus e contra os homens e tu prevaleceste” (32, 27-30). Jacob lhe pergunta o nome, ele não revela o seu nome, mas abençoa Jacob (32, 31).
Em razão deste evento místico, Jacob chama aquele lugar de Peniel, em algumas traduções Fanuel, que significa “face de Deus”, pois entendeu ter visto Deus face a face (32, 31).
Robert Alter e Frank Kermode veem nessa luta uma catarse de Jacob, enfrentando todo o seu passado de enganador, de trapaceiro, pois ele tanto trapaceou seu irmão por duas vezes, que também por vezes foi trapaceado por seu tio e sogro. A passagem do riacho do Jaboque é assim uma conversão de Jacob, ali morre e fica para trás o Jacob trapaceiro e nasce um novo Jacob[1].
Essa cena é vista por Bergant e Karris[2] como um conjunto de mitos antigos, relacionados à travessia de rios e orações por bom futuro. O bom futuro no caso de Jacob será o seu encontro com Esaú. De todo modo, trata-se, na opinião das autoras de uma forma mítica para descrever uma intensa noite de orações e repensar de vida interior.
No mesmo sentido, Santiago Oporto e Miguel Garcia[3] veem aqui na luta e agonia a transformação e a conversão, lembrando a importância da mudança do nome. Ora, o homem que lutava com Jacob sabia o seu nome, mas ainda pergunta: “Qual o seu nome?” E então ouve a resposta: “Eu sou Jacob”, com outras palavras, “eu sou o suplantador”, “o trambiqueiro”, “o enganador”, para então passar a ter um nome digno, um nome de conversão, o nome de um outro homem, a saber, “Israel”, aquele que lutar com Deus.
Com um pouco mais de viagem, Jacob encontra o seu irmão Esaú. Mas aí acontece o inusitado, o temido encontro, que Jacob imaginava ser uma carnificina é na verdade amistoso e muito caloroso, pois os dois choraram de emoção nesse encontro depois de mais de 20 anos separados (33, 1-4).
Jacob apresenta a Esaú, seu irmão, todas as suas mulheres e filhos e os presentes que separado para ele. Esaú que é um homem rico dispensa o presente, mas Jacob insiste e Esaú aceita os presentes. Ao final, todos os ânimos passados, ódios e iras se desfazem nesse encontro (33, 5-11).
Jacob então chega a Siquém na terra de Canaã, que Deus prometera a Abraão, seu avô, a Isaac, seu pai, e a ele próprio, para ali fazer um grande povo.
3. Violência contra Dina
Uma vez estabelecido em Canaã, Jacob enfrenta um problema grave com três de seus filhos, seguido dos outros filhos (capítulo 34).
Dina, filha de Jacob e Lia, sofre um estupro por parte de um príncipe de Siquém, cidade do lugar. Diante disso, propõe-se o casamento entre ambos, pois o estuprador estaria apaixonado por Dina (34, 8-12).
Os filhos de Jacob dizem que somente poderia ser Dina esposa de um filho da terra se ele fosse circuncidado. Propuseram então que todos daquela família fossem circuncidados, como eles eram desde o tempo de Abraão, para então se casarem uns com os outros.
Aceita a proposta, todos os homens daquela família foram circuncidados. No terceiro dia, enquanto ainda se recuperavam das cirurgias de circuncisão, Simeão e Levi, irmãos de Dina, juntamente com os outros filhos de Jacob, foram até lá e mataram todos os homens da cidade ao fio da espada e tomaram todos os seus bens. Jacob os repreende, mas eles alegam a honra de Dina como motivo para a matança (34, 25-31).
É óbvio que a violência sexual contra Dina merece toda repulsa, e dada naquele tempo, até mesmo algum tipo de vingança violenta por parte da família de Jacob. Todavia, Santiago Oporto e Miguel Garcia[4] observam a desproporcionalidade da vingança perpetrada pelos filhos de Jacob, que dizimam toda uma cidade, matando todos os homens e tomando todas as suas propriedades. Tal nível de vingança vai contrastar com o perdão que Esaú deu a Jacob, e ainda, vai mostrar que o processo de conversão de construção de uma nova forma de vida será longo, mesmo com ação direta de Deus.
4. Jacob em Betel, o nascimento de Benjamin, a morte de Raquel e o incesto de Ruben
Depois de algum tempo em Siquém, Deus manda Jacob ir a Betel, o local onde ele sonhara com a escada que ligava o céu à terra, para ali erguer um altar e realizar um ato de adoração (35, 1).
Jacob então reúne sua família, esposas, concubinas, filhos e servos e determina que eles retirem de seu meio ídolos e deuses estrangeiros, o que revela um fato simples, a conversão de Jacob e de seus familiares, servos e daqueles que iam com ele é um processo lento, progressivo e constante (35, 2-5).
Lá chegando, Jacob faz como Deus lhe determinara, ergue um altar em Betel, quando então, em mais uma teofania, Deus refaz as promessas de constituir a partir daquela família uma grande nação, e ainda, reafirma a mudança de seu nome, que de Jacob passa a ser Israel (35, 6-14).
Partindo de Betel e estando perto de Éfrata, Raquel entra em trabalho de parto, quando nasce Benjamin, o último filho de Jacob. O parto foi complicado e Raquel vem a falecer, tendo Jacob sepultado Raquel em Éfrata, perto de Belém (35, 16-20).
Estando ausente de casa, Jacob soube que seu filho mais velho, Ruben, filho de Lia, deitou-se com Bila, serva de sua mãe e concubina de Jacob (35, 21).
5. A preferência de Israel por José
Israel já idoso tem preferência clara e irrestrita por seus filhos José e Benjamin, ambos filhos de Raquel, a mulher que ele amava (29, 30). Eram os filhos de sua velhice, e sua preferência por José era clara, inclusive por meio de presentes (37, 3).
José era também rápido em contar ao seu pai os erros e descaminhos de seus irmãos mais velhos (37, 2).
A história vai mostrar um José fiel ao pai, fiel a Deus, confiante na providência de Deus, casto e obediente. Mas também um tanto sonhador e ingênuo, a ponto de sair por aí contando seus sonhos, dando uma impressão de arrogante, embora não o fosse, mas chegando ao ponto de provocar a ira dos irmãos (37, 5-8) e a repreensão de seu pai (37, 9-11).
Israel e seu irmão Esaú, já tinham experimentado esse erro de seus pais, pela preferência de um ou outro filho (25, 28). Agora, ele mesmo repete o erro de seus pais, em relação a José.
Claro que a sua situação era um pouco pior, pois tendo duas esposas e duas concubinas, sendo que todas quatro tinha filhos seus. Era natural um clima de discórdias e conflitos.
6. José vendido por seus irmãos como escravo
Enviado por seu pai, Israel, parte José ao encontro de seus irmãos que pastoreavam o rebanho da família. José, filho preferido de Israel (37, 3) e com um histórico de delator dos erros dos irmãos (37, 2), além de seus sonhos (37, 5-8; 9-11) aparentemente arrogantes, era ingênuo demais para desconfiar que essa viagem não terminaria bem.
A ideia de matá-lo (37, 21) já mostra que o ódio estava arraigado há tempos, mas Ruben, o irmão mais velho, talvez já com alguma maturidade, propôs uma alternativa – lançá-lo em uma cisterna – para que morresse de fome, mas sem a ação física direta dos irmãos. Ruben tem uma proposta dura apenas na aparência, pois pretendia libertá-lo mais tarde (37, 22).
Aceita a proposta de Ruben, José foi livre de morrer imediatamente, tendo sido lançado em uma cisterna sem água. Mas em um instante em que Ruben está fora, os irmãos o venderam como escravo a uma caravana de Ismaelitas, seus aparentados, descendentes de Ismael, filho de Abraão, que viajava para o Egito (37, 25-28), por 20 siclos de prata[5].
A túnica de José, presente especial de seu pai Isaac (37, 3) é recolhida pelos seus irmãos, embebida em sangue de um bode e levada a seu pai, montando assim, a cena de uma morte por um animal selvagem.
Com isso, apesar, do sofrimento do velho Israel, seus irmãos estariam “livres” da interferência de José em suas vidas.
Ruben, o irmão mais velho, que apresentou a alternativa de deixá-lo em uma cisterna vazia para libertá-lo mais tarde, desespera-se com a notícia de venda do irmão como escravo (37, 10). Todavia, diante da cena armada, não haveria mais o que fazer, e a notícia da falsa morte deveria ser dada ao pai deles, a Israel.
No Egito, os ismaelitas revendem José à casa de Potifar, eunuco e comandante da guarda de Faraó.
7. José como prefigura de Cristo
É inegável que essa narrativa aponta José como uma prefigura de Jesus, sendo várias as nuances entre uma história e outra.
Vejamos.
José é enviado pelo seu pai (37, 13), assim como Jesus também é enviado pelo Pai para os seus irmãos na terra de Israel (Lc 4, 18); os irmãos de José não o receberam como irmão (37, 18), assim como Jesus que também “veio para o que eram seus, mas o seus não o receberam” (Jo 1, 11); no processo de traição, Jesus é vendido por Judas Iscariotes por 30 siclos de prata (Mt 26, 15), enquanto José é vendido pelos seus irmãos por 20 siclos de prata; a venda de Jesus acaba por entrega-lo a uma nação estrangeira, que é Roma, enquanto a traição a José, acaba por entrega-lo a uma nação estrangeira, Egito.
No entanto, exatamente por ter sido vendido como escravo ao Egito, a conturbada vida de José o levará a salvar o mundo de uma grande fome. Nesse aspecto, salvará, inclusive, os seus próprios irmãos, que de algozes, passarão a ser alvo da ação benéfica e do amor de José; tal qual o Nosso Senhor, que, em razão da traição sofrida será levado à cruz, por meio da qual salvará o mundo.
8. José na cada de Potifar
No Egito, José fora adquirido como escravo por um alto oficial do Faraó do seu tempo (39, 1-6). Potifar era o comandante da guarda palaciana, portanto, uma pessoa de total confiança da realeza. No desempenho zeloso de suas tarefas na casa de Potifar, Deus vai abençoar José, a ponto de se tornar uma espécie de mordomo geral e administrador não apenas da casa de Potifar, mas de todos os seus bens.
José já é a quarta geração, desde Abraão, o processo de construção de um povo santo é complexo e difícil, os erros de Abraão, Isaac, Jacob, agora Israel, demonstram essa dificuldade. No entanto, a ação de Deus começa a dar resultado, nem tudo está perdido, pois apesar de erros, esses patriarcas prosperaram no seguimento de Deus, e José, que é a quarta geração seguirá esse caminho.
Assim, sendo José esse homem que caminha com Deus, a sua obra, o seu trabalho, as suas ações, enfim, tudo o que ele fizer prosperará, como dirá Davi, 1.000 anos depois de José, no Salmo 1, 3.
8.1. A esposa de Potifar
O Gênesis não menciona o nome da esposa de Potifar, uma mulher sedutora, infiel e lasciva. O texto bíblico é claro em dizer que José era um homem atraente, tinha porte físico e um belo rosto. A essas feições atraentes, somam-se as virtudes, o trabalho bem feito, o respeito, a educação e modo austero de se portar. Tudo isso fazia de José um homem atraente.
A esposa de Potifar então não mede esforços e tenta todo custo seduzir José para atos sexuais ilegítimos, pois ele solteiro e ela casada com Portifar, com propostas claras, diretas e indene de dúvidas: “Dorme comigo!” (39, 7b).
As propostas eram severamente rejeitadas por José, e tal rejeição se dava por dois aspectos: a uma, pelo pecado em si; a duas, pela responsabilidade pessoal dele diante de seu senhor. Com efeito, para José, a primeira questão é o pecado do ato sexual ilegítimo em si. Todavia, a proposta continha um ato de extrema vilania, dada a confiança que Potifar depositava nele (39, 8-9).
A mulher de Potifar entra em desespero e profunda frustração. Como pode ser ela rejeitada por um escravo, um ser inferior, a quem ela, uma mulher da nobreza do Egito, queria se entregar em prazeres? A rejeição levou a mulher de Potifar a canalizar para o ódio e a maldade todo o desejo que ela tinha por José.
Exatamente, diante das recusas constantes de José, ela prefere caluniá-lo, acusando-o de uma tentativa de estupro (37, 11-20).
José vai à casa para algum de seus afazeres quando é mais uma vez assediado por sua Senhora, com a proposta de sempre: “Dorme comigo!” (39, 12). Diante da recusa de José ela agarra uma peça de sua roupa, ele então se desvencilhando da mulher, corre e ela fica com a peça de roupa em sua mão. Diante de mais uma investida frustrada ela grita pelos demais empregados, acusando José de uma tentativa de abuso sexual (39, 13-15). Adiante, ela vai sustentar a mentira e falsa acusação contra José, diante do seu marido (39, 16-19), que, profundamente irritado, manda José para a prisão (39, 20).
José nesse episódio vivencia uma profunda provação de sua fé e de seu caráter. Exatamente por ser fiel a Deus, à sua consciência e por respeitar o seu senhor nas suas atividades laborais é que ele será preso.
O texto bíblico não menciona quanto tempo José trabalhou na casa de Potifar. No entanto, o fato é que Potifar percebeu que o seu patrimônio cresceu sob a gestão de José, a ponto de as responsabilidades irem aumentando até que ele geria toda a casa. Tal constatação permite inferir que não foram meses de trabalho, mas provavelmente alguns anos.
9. José na prisão
A prisão não abala o coração de José, não o desmonta de suas virtudes e nem o estimula a abandonar os caminhos de Deus. Novamente ele mantém o controle de sua razão, a correção dos seus atos e seu compromisso com Deus.
E isso fará de José um prisioneiro exemplar, a ponto de o diretor da prisão confiar em José e fazer dele uma espécie de administrador informal da prisão (39, 20b-23). Novamente aqui vemos a certeza daquilo que será dito do homem justo por Davi, 1.000 anos depois de José (Salmo 1, 3).
9.1. José interpreta os sonhos dos oficiais de Faraó
Durante o seu tempo de prisão, José conhece dois ex-oficiais de Faraó, o copeiro-mor e o padeiro-mor, que caíram em desgraça e foram parar no cárcere (40, 1-4). Não é de todo absurdo pensar que esses dois ex-oficiais passassem a ter alguma amizade com José, ex-mordomo geral de Potifar, com efeito, esses três eram presos que se diferenciavam, por seu passado e serviços, dos presos comuns (40, 4).
Certa noite os dois sonham misteriosamente, cada um desempenhando o seu ofício diante de Faraó, e no dia seguinte, passam o tempo perturbados com aqueles sonhos (40, 5-8).
O copeiro sonhou que estava diante de uma videira, donde cresciam três cachos de uva, tendo ele à mão a taça de Faraó. Ele então espremia na taça as uvas e entregava-a ao Faraó. José entendeu tratar-se de três dias, representados pelos três cachos de uva, e o fato de que ele espremia as uvas e entregava a taça ao Faraó significava que ele seria, nesses três dias, absolvido e reabilitado em seu cargo (40, 9-13).
Diante da interpretação benéfica, José pede ao copeiro-mor que se lembre dele, preso injustamente (40, 14-15).
O padeiro-mor então conta o seu sonho. Ele sonhou que tinha em sua cabeça três cestos, contendo bolos e as aves do céu comiam os bolos que estavam na terceira cesta. Segundo José os três cestos eram três dias, e as aves do céu, que comiam o conteúdo no terceiro cesto, significava que o padeiro seria condenado à morte em três dias por enforcamento e as aves do céu comerão a sua cabeça (40, 16-19).
De fato, no terceiro dia tudo se passou como interpretado por José. Em um banquete para festejar o aniversário do Faraó, o copeiro-mor foi julgado inocente e reabilitado; enquanto o padeiro-mor foi julgado e condenado à morte (40, 20-22).
No entanto, o copeiro-mor esqueceu-se de interceder por José (40, 23).
9.2. Os sonhos de Faraó e a interpretação de José
O texto do capítulo 41, 1-36 narra os sonhos de Faraó e a interpretação que José lhes deu, bem como a solução apresentada para a crise gerada pela efetivação dos fatos descritos nos sonhos.
No primeiro sonho, o Faraó, estando às margens do Nilo, percebe que pastam às margens do rio sete belas vacas, tenras e bem nutridas. Logo saem do Nilo sete vacas incrivelmente magras e debilitadas, que devoram as sete vacas tenras e fortes. Então ele acorda.
Após acordar com esse sonho, o Faraó volta a dormir e tem outro sonho, quando então ele vê sete espigas que subiam de uma mesma haste da planta, tenras e boas; mas então nascem atrás delas sete espigas feias e murchas, que de repente devoram as espigas boas e sadias (41, 1-7).
Pela manhã, o Faraó está perturbado com os seus sonhos. A situação piora, pois os seus conselheiros, assistentes, adivinhos e magos não conseguem entender ou lhe apresentar uma interpretação clara para tão perturbadores sonhos (41, 8-10).
O copeiro-mor então se lembra de José e de como ele interpretara corretamente o seu sonho e o sonho do padeiro-mor (41, 11-13).
Diante disso, o Faraó manda trazer José a sua presença e conta-lhe o sonho (41, 14-16).
O Faraó ao contar os sonhos a José e acrescenta um dado, a saber, tanto as vacas magras, quanto as espigas mirradas, continuavam magras e mirradas, respectivamente, mesmo depois de devorar as vacas gordas e as espigas tenras (41, 17-24).
José então, inspirado por Deus, interpreta os sonhos como um único sonho, uma espécie de revelação de Deus ao Faraó. Segundo José as sete vacas gordas e as sete espigas tenras assinalam sete anos de fartura nas colheitas do Egito; enquanto as sete vacas magras e as sete espigas mirradas assinalam os sete anos de péssimas colheitas e falta de alimentos, que seguirão os sete anos de fartura (41, 18-32).
10.3. A solução de José e sua exaltação
José não se limita a interpretar os sonhos de Faraó. José vai adiante, e depois de expor o problema, apresenta um plano de organização de funções públicas, para o enfrentamento do período de fartura, marcado pelas vacas gordas e espigas tenras, seguido do período de escassez, marcado pelas vacas magras e espigas mirradas (41, 33-36).
A ideia é constituir um administrador-geral e um conjunto de funcionários, para tributarem toda a produção em 20%, que devem ser guardados em silos, nas diversas cidades do Egito, ao longo dos sete anos de fartura; para então serem prudentemente consumidos no período de escassez (41, 33-36).
A presteza na interpretação, bem como a diligente apresentação de um plano de solução da crise que se avizinhava, empolgou o Faraó, que viu em José mais do que um intérprete de sonhos, mas sim, um grande gestor, capaz, enérgico e de visão. José então passa à condição de vice-Rei do Egito, pelo menos no que diz respeito à gestão dos alimentos, tendo somente acima dele o próprio Faraó (41, 37-45).
Além dessa exaltação funcional extraordinária, que fez José deixar a prisão para se tornar a maior autoridade civil do Egito, o Faraó mudou o seu nome para Safanet-Fanec, em algumas traduções Zafenate-Paneia. Existem algumas discussões sobre o significado desse nome. Para alguns significa “Deus Salva, Ele vive”, para outros seriam uma alusão a “Salvador do mundo”, sendo que em ambos os casos, esse novo nome de José reforça aquela condição dele como prefigura de Cristo.
Faraó também dá a José como esposa, a filha de Potifar, sacerdote de On, chamada Asenet (41, 45). Esse Potifar é outro, nada tendo a ver com aquele primeiro, que fora dono de José (39, 1-6). Quanto a esse novo Potifar, trata-se do sacerdote de On (Heliópolis), que era um importante centro religioso do culto ao sol. Com isso quis o autor do Gênesis mostrar que José foi elevado ao mais alto nível social e econômico da sociedade egípcia.
José tinha então 30 anos, quando interpretou os sonhos do Faraó (41, 46). Considerando que o texto de 37, 2, quando começa a sua história, José tinha 17 anos, toda a saga de sua venda como escravo, os anos na casa de Potifar e os anos na prisão foram um total de 13 anos.
José então casado, tem dois filhos, a quem chamou Manassés e Efraim (41, 50-52).
E vieram os anos de fartura, quando os planos de José foram implementados por ele mesmo. Em seguida, vieram os tempos de escassez, quando o Egito tinha não apenas alimentos para os seus, como também tinha um grande excedente que podia ser vendido a todos os povos que o procuravam (41, 53-57).
Gabriel Campos. Brasília- DF, 19/02/2024, Memória de São Conrado.
[1] ALTER, Robert. KERMODE, Frank (Organ). Guia literário da Bíblia (Tradução Raul Fiker). São Paulo: Unesp, 1997, p. 65.
[2] BERGANT, Dianne. KARRIS, Robert J. (Organ.). Comentário bíblico (Tradução Barbara Theoto Lambert). 8ª Ed. São Paulo: Loyola, vol. I, p. 82.
[3] OPORTO, Santiago Guijarro. GARCIA, Miguel Salvador (Organ). Comentário ao antigo testamento (Tradução de José Joaquim Sobral). São Paulo, Ave Maria, 1997, vol. I, p. 26.
[4] OPORTO, Santiago Guijarro. GARCIA, Miguel Salvador (Organ). Comentário ao antigo testamento (Tradução de José Joaquim Sobral). São Paulo, Ave Maria, 1997, vol. I, p. 95.
[5] O Siclo era uma medida de peso e correspondia a 11,4 gramas. José foi vendido por 20 siclos, o equivalente a 228 gramas de prata. Na cotação de hoje, janeiro de 2022, José foi vendido por aproximadamente R$ 1.300,00 (um mil e trezentos reais).