1. Introdução
O texto completo de São Mateus dessa semana é formado pelos capítulos 14-18.
Como já dissemos antes, São Mateus nos apresenta como tema central do seu Evangelho o Reino dos Céus. No texto dessa semana, não é diferente. São Mateus (14-18) procura apresentar a Igreja Como Primícias do Reino dos Céus. Trata-se de um texto importantíssimo e que desafia todo Católico a viver a sua vida eclesial, isto é, a sua vida na Igreja como uma antecipação da vida no Reino dos Céus.
O texto é dividido em duas partes bem claras:
a) A Narrativa da Igreja como Primícias do Reino dos Céus (14-17);
b) O Discurso Eclesiástico (18).
Aqui observamos como São Mateus trabalha os seus textos, sendo perceptível uma técnica literária aguçada e organizada, mostrando um raciocínio claro e perfeito. Primeiro ele apresenta um conjunto de sinais, milagres e eventos fantásticos realizados por Jesus. Em seguida, ele apresenta um discurso realizado por Jesus, tendo como pano de fundo, os eventos, milagres e sinais anteriormente apresentados.
2. Objetivo de São Mateus
É interessante aqui lembrar que São Mateus, antes de conhecer Jesus, era um cobrador de impostos. O Império Romano tinha a sua sede em Roma, as províncias distantes, como a Judeia, situada a milhares de quilômetros de Roma, eram administradas por um Governador (Praefectus) romano, alguns auxiliares e com uma guarda e segurança que ficava a cargo de Legiões Romanas, comandadas por um Tribuno, que era um oficial de alta patente do Exército Romano. Algumas atividades, como a cobrança de impostos, que eram muito importantes para o Império, ficavam a cargo de pessoas do próprio povo dominado, que eram contratadas pelo Império Romano. No caso dos impostos, o Império terceirizava tal atividade mediante a contratação, com excelente remuneração, de pessoas locais do povo dominado. São Mateus, antes de conhecer Jesus, foi um destes cobradores de impostos, prestando serviços ao Império Romano.
Essa atividade exigia de São Mateus um raciocínio lógico, boa lida com números e valores e uma capacidade de organização de ideias acima da média. Podemos dizer, em uma linguagem de hoje, que São Mateus era uma pessoa com excelentes conhecimentos de administração, gestão e contabilidade, essenciais para o desempenho de sua profissão.
Essas características serão visíveis em seu Evangelho. Veja como ele organiza e apresenta as ideias do seu Evangelho até aqui:
- Origem humana de Jesus (1,1-17);
- Origem divina de Jesus (1,18-25);
- Infância de Jesus (2);
- Apresentação do Reino dos Céus (3-7);
- Preparação para o Reino dos Céus (8-10);
- O Mistério do Reino dos Céus (11-13);
- A Igreja como primícias do Reino dos Céus (14-18).
Observe que São Mateus tem um objetivo claro, mostrar que o próprio Deus entrou na história da humanidade se fazendo homem (1,1-17), mas de forma milagrosa (1,18-25) e cresceu a partir da infância para se fazer homem e anunciar o Reino dos Céus (2).
Agora ele quer mostrar a todos o Reino dos Céus. Inicialmente Jesus apresenta o Reino dos Céus (3-7), prepara o povo para pensar no Reino dos Céus (8-10), mostra que o Reino dos Céus é uma realidade sobrenatural, divina e futura, realizando-se após a morte (11-13), mas esse Reino dos Céus pode e deve ser vivenciado, realizado e experimentado antecipadamente aqui na terra, na forma da Igreja.
Essa realização se faz de uma forma universal, isto é, a Igreja Católica em todo o mundo, por meio do Santo Padre o Papa, por meio dos Bispos por meio de todas as suas atividades missionárias, caritativas, científicas e educacionais devem mostrar ao mundo as primícias do Reino dos Céus.
Mas essa realização do Reino dos Céus se faz também no ambiente da paróquia local, onde se vive a realidade da Igreja Católica e a vida de cada um de nós. Em outras palavras, é preciso fazer da vida paroquial e de cada vida pessoal uma antecipação, uma prévia, uma primícia do Reino dos Céus.
3. Parte Narrativa – Capítulos 14-17
A primeira parte do texto (14-17) é um conjunto de narrativas, sinais, milagres e eventos, mostrando que é possível e viável viver essa vida como uma antecipação do Reino dos Céus.
3.1. O martírio de São João Batista (14,1-12).
Observe que São Mateus começa a narração dos eventos com uma notícia grave, séria e assustadora, o martírio de São João Batista. Ora, mas ele não quer falar das primícias do Reino dos Céus? Então por que começa com o drama do martírio? São Mateus quer mostrar que o gozo do Reino dos Céus não está dissociado da renúncia, do sofrimento e até do martírio. O Reino do Céus tem um valor a ser conquistado e essa conquista pode exigir algum sacrifício.
3.2. Primeira multiplicação dos pães (14,13-21)
O Reino dos Céus é também o lugar da solidariedade e do milagre da vida. Jesus multiplica os pães em um milagre assustador, para mostrar que a solidariedade para com os necessitados é também um milagre, um milagre do amor de Deus em nossos corações.
3.3. Jesus caminha sobre as águas e Pedro vai até ele (14,22-33)
A conquista do Reino dos Céus é um caminho tempestuoso, capaz de fazer perigar o barco de nossa vida. Mas mesmo diante das dificuldades da vida, das tempestades que nos assola, Jesus está conosco e nos chama até ele, como chamou a São Pedro. Observe que São Pedro até consegue andar sobre as águas olhando para Jesus, mas quando ele olha para ondas ele afunda. É preciso olhar sempre para Jesus nas ondas e dificuldades da vida.
3.4. Curas em Genaseré (14,34-36)
A cura é uma constante na ação de Jesus. Essa cura deve ser compreendida para além da cura física, mas também como a superação das dificuldades, a cura da alma, dos vícios, das frustrações e dos sofrimentos. É preciso aqui olhar para Jesus, olhar para a Eucaristia a cada domingo, pedindo a Jesus as forças, o ânimo e a coragem para suportar aquilo que não se pode mudar; mas também coragem para mudar as coisas que podem ser mudadas e resiliência para aceitar a cruz de todos os dias.
3.5. Discurso sobre os Fariseus (15,1-9)
Os fariseus, juntamente com os saduceus, essênios e os zelotas, formavam os religiosos de então. Jesus frequentemente mostra que a religiosidade, a prática religiosa pura e simples, sem uma conversão real e um amor verdadeiro, constitui um mal na vida de uma pessoa. É preciso que a nossa ida à missa aos domingos, as nossas atividades pastorais e o resto de nossas ações sejam o resultado de uma conversão verdadeira, e ainda, um ato de amor a Deus e ao próximo, para não sermos fariseus modernos.
3.6. Pureza e impureza real e não aparente (15,10-20)
Continuando a falar dos fariseus, como uma forma de religião aparente, Jesus nos chama a pensar em uma conversão verdadeira. Não bastava cumprir o preceito judeu de lavar as mãos antes de comer, era preciso converter a Deus a sua vida. Assim como não basta apenas ir à missa aos domingos. É preciso que essa ida à missa seja fruto de uma conversão real.
3.7. Cura da filha da Cananéia (15,21-28)
Esse dramático e belo texto nos mostra a humildade como a maior de todas as virtudes cristãs. Os cananeus eram estrangeiros e mal vistos por israelenses. Jesus então provoca aquela mulher, dizendo que veio para o povo de Israel. Mas ela, estrangeira, acredita em sua mensagem, pedindo que ele cure a sua filha. Jesus então faz uma provocação extremamente dura, comparando o povo israelense aos os filhos de uma família, e os cananeus estrangeiros aos animais domésticos da família. Nada obstante a dureza das palavras, a mulher aceita a comparação e na condição de “animal de estimação” insiste no milagre. Diante dessa incrível prova de humildade, Jesus a elogia e a atende. Esse é um desafio nosso de cada dia, sermos humildes ao ponto de nada nos diminuir e nada nos ofender.
3.8. Numerosas curas (15,29-31)
A cura é uma constante na ação de Jesus. Essa cura deve ser compreendida para além da cura física, mas também como a superação das dificuldades, a cura da alma, dos vícios, das frustrações e dos sofrimentos. É preciso aqui olhar para Jesus, olhar para a Eucaristia a cada domingo, dizendo a Jesus que lhe dê forças, ânimo e coragem para suportar aquilo que não se pode mudar; forças para mudar as coisas que podem ser mudadas e resiliência para aceitar a cruz de todos os dias.
3.9. Segunda multiplicação dos pães (15,32-39)
O Reino dos Céus é também o lugar da solidariedade e do milagre da vida. Jesus multiplica os pães em um milagre assustador, para mostrar que a solidariedade para com os necessitados é também um milagre, um milagre do amor de Deus em nossos corações.
3.10. Pedido de um sinal (16,1-4)
Jesus já era com o passar do tempo, uma figura famosa e conhecida. Alguns até tinham uma tendência de acreditar nele, mas pediam um sinal. Quantas vezes insistimos em pedir a Deus sinais e eventos milagrosos, para continuarmos a crer nele? Somente o sinal de Jonas será dado, pois assim como Jonas ficou três dias no ventre do peixe, Jesus ficará três dias morto e ressuscitará. O sinal é a cruz.
3.11. O Fermento dos fariseus e saduceus (16,5-12)
Os fariseus, juntamente com os saduceus, essênios e os zelotas, formavam os religiosos de então. Jesus frequentemente mostra que a religiosidade, a prática religiosa pura e simples, sem uma conversão real e um amor verdadeiro, constitui um mal na vida de uma pessoa. É preciso que a nossa ida à missa aos domingos, as nossas atividades pastorais sejam o resultado de uma conversão verdadeira e um ato de amor, para não sermos fariseus modernos.
3.12. Confissão de Pedro e a Igreja (16,13-20)
Jesus já está com os discípulos há bastante tempo. Será preciso testar os discípulos para saber se eles já possuem uma real ideia de quem é mesmo Jesus. Por isso ele pergunta sobre o que os homens pensam dele. Naquela altura, dados os sinais e milagres, Jesus era no mínimo tido como um profeta. Jesus então pergunta aos doze, obtendo de Pedro a resposta cabal: “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo”.
Jesus percebe que Pedro, o líder do grupo e o próprio grupo já possuem uma ideia correta de quem ele é. Então, cientes de quem é Jesus, já estão prontos para conhecer a Igreja.
Por isso ele diz: “E tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”.
A Igreja construída por Jesus sobre a fé apostólica é a continuidade da encarnação de Jesus Cristo. Jesus após a ressurreição volta aos céus, mas o milagre da encarnação, o Deus Conosco continua por meio da Igreja.
3.13. Primeiro anúncio da paixão (16,21-23)
Já cientes de que continuarão a obra de Cristo por meio da Igreja sob a liderança de São Pedro, os apóstolos precisam agora saber que Jesus vai padecer a paixão e a morte, para ressuscitar e concluir a sua obra.
3.14. Exigências do seguimento (16,24-27)
Mas assim como a Igreja nasce da morte na cruz, para depois vir a ressurreição, o seguimento de Jesus implica também a morte de cada um de nós. Essa morte se faz por meio do abandono de nossas vontades e de nosso modo de ser, para abraçar o modo de Jesus.
3.15. Transfiguração e a Pergunta sobre Elias (17,1-8. 9-13)
A Transfiguração é uma teofania, uma manifestação sobrenatural de Deus, em favor de Jesus e dos seus discípulos mais próximos – Pedro, Thiago e João. A Transfiguração é um momento em que Jesus permitiu a esses três terem uma antecipação da glória de Deus. A teofania da transfiguração como uma alegria indizível nos lembra que também aqui teremos nossas alegrias. Mas lembremos de que os mesmos três apóstolos que viveram a alegria da transfiguração, serão chamados a viver a agonia do Getsêmani (Mateus 26,36-46).
3.16. Cura de um epiléptico (17,14-21)
Novamente o tema da cura. A cura é uma constante na ação de Jesus. Essa cura deve ser compreendida para além da cura física, mas também como a superação das dificuldades, a cura da alma, dos vícios, das frustrações e dos sofrimentos. É preciso aqui olhar para Jesus, olhar para a Eucaristia a cada domingo, dizendo a Jesus que lhe dê forças, ânimo e coragem para suportar aquilo que não se pode mudar; forças para mudar as coisas que podem ser mudadas e resiliência para aceitar a cruz de todos os dias.
3.17. Segundo anúncio da paixão (17,22-23);
Já cientes de que continuarão a obra de Cristo por meio da Igreja sob a liderança de São Pedro, os apóstolos precisam agora saber que Jesus vai padecer a paixão e a morte, para ressuscitar e concluir a sua obra.
3.18. O tributo para o templo (17,24-27).
Apesar de vivermos a espera do Reino dos Céus, sobrenatural, divino e milagroso, estamos aqui para viver a vida ordinária, com suas realidades boas e más e devemos vive-la com responsabilidade.
4. O Discurso Eclesiástico (18)
A segunda parte do texto é o Discurso Eclesiástico que trata da antecipação do Reino dos Céus. Essa antecipação se faz por meio de sete ensinamentos principais:
4.1. Quem é o maior (18,1-4)?
Jesus toma uma criança e diz que quem não se converter como uma criança não pode ver o Reino dos Céus. A criança é inocente em seus pensamentos, frágil em sua psicologia, débil em sua constituição física e humilde em sua alma. Esse é o padrão que devemos ter na vida privada e na Igreja.
4.2. O Escândalo (18,5-11)
Constituir um exemplo negativo, na forma de falsidade, falta de amor, falta de acolhida ou qualquer outro defeito, a ponto de afastar alguém de Deus e da Igreja é se colocar no caminho contrário ao Reino dos Céus.
4.3. A Ovelha Desgarrada (18,12-14)
A atenção máxima do cristão deve ser a de atrair as pessoas para o Reino dos Céus. Assim como o escândalo, que afasta o irmão da Igreja e do Reino dos Céus, deve ser evitado a todo custo; a busca, a tentativa de trazer de volta à Igreja aqueles que se afastaram deve ser uma ação constante do católico.
4.4. Correção Fraterna (18,15-18)
A correção daqueles que estão em caminho errado e se afastam da Igreja deve ser cuidadosa, amorosa e resultado do amor pelo próximo e do amor a Deus. O risco é na tentativa de corrigir o irmão, o católico se colocar como seu juiz implacável. Antes deve lembrar que todos somos passíveis de erro e correção.
4.5. Oração Comum (18,19-20)
A oração é o centro da vida do católico. E ela será tanto mais eficaz quando for realizada em conjunto. A Igreja incentiva desde sempre a oração comunitária, seja o Terço Mariano, a Adoração Eucarística, a Liturgia das Horas dentre outras. É fundamental aqui a oração comum no seio da família.
4.6. O Perdão das Ofensas (18, 21-22)
O católico que não pede perdão está tomado de arrogância e trilha um caminho tortuoso e perigoso. Assim como aquele que não pede perdão trilha o mesmo caminho. Na Oração do Pai Nosso colocamos o perdão dado ao próximo como uma condição para o perdão que pedimos a Deus. Isso é terrível porque ao não perdoarmos o próximo, estamos desprezando o perdão de Deus.
4.7. A Parábola do Devedor Implacável (18,23-35)
A questão do perdão é tão importante e grave que Jesus nesse discurso traz a grave parábola do devedor implacável. Aquele que recebe de Deus o perdão como condição para a vida eterna, mas não perdoa o seu próximo por ofensas comuns desde mundo, está desprezando a vida eterna com Deus.
Gabriel Campos, Brasília – DF, 15/02/2024, Memória de São Cláudio La Colombiere.